Boaventura de Sousa Santos: sociologia crítica da catástrofe européia

BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS é um dos pensadores que reflete a partir do Grande Sul e nos ajuda a entender o processo profundamente criador de desigualdades e injustiças mundiais, o processo de globalização. Agora nos aclara a perversa lógica dos programas de austeridade nos países da Zona do Euro que salva o sistema financeiro e os bancos e quase mata a população pelo desemprego e pela destruição da sociedade de bem-estar social. O número de suicídios de pequenos empresários é assustador em todos estes países.  L.Boff

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Não há um consenso europeu sobre as políticas orçamentais e programas de austeridade em curso. Há, isso sim, um consenso de direita e uma incapacidade temporária de as esquerdas europeias apresentarem uma alternativa credível à escala de cada país. O tempo até que tal suceda é o factor mais incerto e mais decisivo na solução da crise europeia.

Quanto maior for mais se consolida a nova ordem pós-social democrática que foi pensada muito antes da crise e que a direita quer agora impor para vigorar nas próximas décadas. A nova ordem é um paraíso para o capital financeiro, um purgatório (agora sem bênção eclesial) para o capital produtivo e um inferno para a grande maioria dos cidadãos, a catástrofe das expectativas de vida que até agora pareciam razoáveis e merecidas. A catástrofe está a ser administrada em doses supostamente homeopáticas para que a paralisia das alternativas dure mais tempo (hoje, um corte, amanhã, um aumento do preço da água ou da energia, depois de amanhã, o encerramento de um serviço). Que pode ser feito para encurtar este tempo?

1. Saber para onde caminhamos. Está em curso o fi m da convergência. O plano A da política de resgate em curso (PREC) consiste em criar as condições para que os países em dificuldades regressem à “normalidade dos mercados”. Isso só é possível à custa de mais reduções salariais e cortes nas despesas públicas e da sujeição destes países a uma disciplina não negociada que compromete o seu desenvolvimento e esvazia a sua soberania. Assim se consolida a dualidade entre países desenvolvidos e países menos desenvolvidos no seio da Europa. Portugal, Grécia, Irlanda e (quem sabe?) Espanha serão o México da Europa. Se não nos convém esta Europa, é urgente lutar para que ela não continue a acontecer.

2. A PREC só pode produzir dois resultados: mais PREC ou a expulsão do euro. Os relatórios e os blogs dos fundos financeiros prevêem (sabem, porque são eles quem faz acontecer as previsões) que, tal como na Grécia, ao primeiro resgate seguir-se-á
um segundo resgate com mais restrições e austeridade e alguma reestruturação da dívida liderada pelos credores. Isto significa que Portugal pode estar sob tutela mais uns anos (até 2018?) e, se assim for, uma geração inteira terá vivido sob um regime colonial disfarçado de democracia mas, na prática, controlado por uma Companhia Majestática, a Goldman Sachs. Se, mesmo assim, o plano A não resultar, segue-se o plano B, a expulsão do euro ou uma solução que produza o mesmo efeito. Disso se fala já para o caso da Grécia.

Se o plano A é devastador para as nossas aspirações de país europeu, a expulsão do euro não o seria menos devido às condições em que ocorrerá, depois de as PREC terem destruído a nossa base económica (que até há pouco dava muitos sinais de alteração qualitativa da especialização produtiva), terem esmifrado a nossa riqueza, as nossas poupanças, o nosso ouro. Admite-se que o PS se sinta preso ao PREC 1 mas não se admite que não se declare desde já contra qualquer PREC 2 ou 3. É esta a sua oportunidade para se desvincular de heranças espúrias e começar a construir uma alternativa.

3. Desobediência dentro do euro. Parece incrível que, apesar de tudo isto, uma solução não catastrófica para o nosso país tenha de ser encontrada a nível europeu. Mas assim deve ser, ainda que para isso sejam necessárias duas condições muito exigentes. A primeira são actores políticos que explorem todas as brechas do sistema. O direito internacional geral e a grande maioria dos tratados internacionais prevêem cláusulas de derrogação em caso de emergência nacional. Essa derrogação pode implicar controle temporário de capitais e de importações e moratória no serviço da dívida. Pode esta desobediência por parte de um pequeno país não ser punida com a imediata expulsão? Tudo depende das alianças que entretanto se forem forjando. Três coisas são certas: quem expulsar não deixa de correr grandes riscos; alguém vai ter de desobedecer e alguém terá de ser o primeiro; é impensável que o eixo Paris-Berlim continue a ser o único eixo na EU e que não seja possível criar outras alianças entre outros países, entre os quais, amanhã, a própria França. A segunda condição diz respeito ao sistema político europeu. As propostas que envolvem a Europa no seu todo devem ser formuladas ao nível político que as torne credíveis. Como se tem visto, esse nível não pode ser o nível nacional. Há pois que refundar o sistema político europeu através da criação de um círculo eleitoral europeu único e de listas transnacionais donde emerjam os novos dirigentes de uma Europa verdadeiramente democrática. Dentro ou fora do euro, por opção ou por imposição terá de haver desobediência; o problema é saber a que nível de desastre ela ocorrerá.

Director do Centro de Estudos Sociais, Laboratório Associado, Univ. de Coimbra

3 comentários sobre “Boaventura de Sousa Santos: sociologia crítica da catástrofe européia

  1. Poema Do Menino Jesus
    Num meio-dia de fim de primavera eu tive um sonho como
    uma fotografia: eu vi Jesus Cristo descer à Terra.
    Ele veio pela encosta de um monte, mas era outra vez
    menino, a correr e a rolar-se pela erva
    A arrancar flores para deitar fora, e a rir de modo a
    ouvir-se de longe.
    Ele tinha fugido do céu. Era nosso demais pra
    fingir-se de Segunda pessoa da Trindade.
    Um dia que DEUS estava dormindo e o Espírito Santo
    andava a voar, Ele foi até a caixa dos milagres e
    roubou três.
    Com o primeiro Ele fez com que ninguém soubesse que
    Ele tinha fugido; com o segundo Ele se criou
    eternamente humano e menino; e com o terceiro Ele
    criou um Cristo eternamente na cruz e deixou-o pregado
    na cruz que há no céu e serve de modelo às outras.
    Depois Ele fugiu para o Sol e desceu pelo primeiro
    raio que apanhou.
    Hoje Ele vive na minha aldeia, comigo. É uma criança
    bonita, de riso natural.
    Limpa o nariz com o braço direito, chapinha nas poças
    d’água, colhe as flores, gosta delas, esquece.
    Atira pedras aos burros, colhe as frutas nos pomares,
    e foge a chorar e a gritar dos cães.
    Só porque sabe que elas não gostam, e toda gente acha
    graça, Ele corre atrás das raparigas que levam as
    bilhas na cabeça e levanta-lhes a saia.
    A mim, Ele me ensinou tudo. Ele me ensinou a olhar
    para as coisas. Ele me aponta todas as cores que há
    nas flores e me mostra como as pedras são engraçadas
    quando a gente as tem na mão e olha devagar para
    elas.
    Damo-nos tão bem um com o outro na companhia de tudo
    que nunca pensamos um no outro. Vivemos juntos os dois
    com um acordo íntimo, como a mão direita e a esquerda.
    Ao anoitecer nós brincamos as cinco pedrinhas no
    degrau da porta de casa. Graves, como convém a um DEUS
    e a um poeta. Como se cada pedra fosse todo o Universo
    e fosse por isso um perigo muito grande deixá-la cair
    no chão.
    Depois eu lhe conto histórias das coisas só dos
    homens. E Ele sorri, porque tudo é incrível. Ele ri
    dos reis e dos que não são reis. E tem pena de ouvir
    falar das guerras e dos comércios.
    Depois Ele adormece e eu o levo no colo para dentro da
    minha casa, deito-o na minha cama, despindo-o
    lentamente, como seguindo um ritual todo humano e todo
    materno até Ele estar nu.
    Ele dorme dentro da minha alma. Às vezes Ele acorda de
    noite, brinca com meus sonhos. Vira uns de pena pro ar,
    põe uns por cima dos outros, e bate palmas, sozinho,
    sorrindo para os meus sonhos.
    Quando eu morrer, Filhinho, seja eu a criança, o mais
    pequeno, pega-me Tu ao colo, leva-me para dentro a Tua
    casa. Deita-me na tua cama. Despe o meu ser, cansado e
    humano. Conta-me histórias caso eu acorde para eu
    tornar a adormecer, e dá-me sonhos Teus para eu
    brincar.
    Fernando Pessoa:
    Dedico este poema aos que partiram em momento de desespero, O Dinheiro, Os Comércios.

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    • Lúcia,
      Obrigado por nos transcrever esse belo poema de Fernando Pessoa sobre o Menino Jesus. Eu considero esta poesia uma das mais belas que se escreveram sobre o Natal e a humanidade de Deus. Como escrevi um dia mas que mais tarde vi que já estava em F.Pessoa:”humano assim como Jesus só Deus mesmo”
      obrigado
      lboff

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  2. O mundo ainda não entendeu que o mundo produtivo morreu devido a eliminação da Mais-Valia nas fábricas. Não entendeu ainda que a tecnologia da informação mudou o mundo em 180 graus, Não podemos mais voltar a re – investir no mundo produtivo, pois este morreu como valor. A estrutura (econômica) ao morrer, a superestrutura (instituições jurídicas, a Política e a Ideologia) que é um reflexo da estrutura, irá pelos ares.
    Os países emergentes como Brasil, China etc., irão na mesma lógica dos países desenvolvidos. Veja que a micro-eletrônica, aqui no Brasil, já está colocando em xeque o nosso parque industrial.
    odeciomendesrocha philosopher

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