O princípio da auto-destruição e o combate ao Covid-19

Depois que se lançaram duas bombas atômicas primárias sobre as cidades de Hieroshima e Nagasakiem 1945, a humanidade criou para si um pesadelo do qual não consegue mais se libertar. Ao contrário, ele se transformou numa realidade ameaçadora de nossa vida sobre este planeta e a destruição de grande parte do sistema-vida.

Criaram-se armas nucleares muito mais destrutivas, químicas e biológicas que podem destruir nossa civilização e afetar profundamente a Terra viva. Pior ainda, projetamos a inteligência artificial autônoma. Com seu algoritmo que combina bilhões de informações, recolhidas de todos os países e de cada pessoa, até da pasta de dente que uso, pode tomar decisões sem que nós saibamos. Pode eventualmente, numa combinação enlouquecida penetrar nos arsenais das armas nucleares ou de igual ou maior potência letal e deslanchar uma guerra de grande destruição até de toda vida. É o princípio da auto-destruição. Vale dizer, está nas mãos do ser humano pôr fim à vida visível que conhecemos (ela é só 5% as 95% são vidas microscópicas invisíveis). Assenhoreamo-nos da morte. E ela pode ocorrer a qualquer momento. E agora em razão da inteligência artificial autônoma, escapa até de nossas decisões.

Ja se criou uma expressão para nomear esta fase nova da história humana, uma verdadeira era geológica: o antropoceno, vale dizer, o ser humano como a grande ameaça ao sistema-vida e ao sistema-Terra.

O ser humano é o grande satã da Terra, aquele que pode dizimar,como um anti-cristo, a si mesmo e os outros, seus semelhantes, além de liquidar com as bases que sustentam a vida.

A intensidade do processo letal é de tal ordem que já se fala da era do necroceno. Quer dizer, a era da produção em massa da morte. Já estamos dentro da sexta extinção em massa. Agora é acelerada de forma irrefreável, dada a vontade de dominação da natureza e de seus mecanismos, da agressão direta à vida e à Gaia, a Terra viva, em função de um crescimento ilimitado, de uma acumulação absurda bens materiais a ponto de criar a Sobrecarga da Terra (The  Earth Overshoot).

Em outras palavras, chegamos a um ponto em que a Terra não consegue repor os bens e serviços naturais que lhe foram sequestrados e começa a mostrar um avançado processo de degeneração através dos tsunamis, tufões, como recentemente no Sul do Brasil, degelo das calotas polares e do parmafrost, as secas prolongadas e as nevascas aterradoras e o surgimento de bactérias e vírus de difícil controle. Alguns deles como o Covid-19 que está levando  à morte milhões de pessoas.

Tais eventos são reações e até represálias da Terra face à guerra secular que conduzimos contra ela em todas as suas frentes. Essa morte em massa ocorre na natureza, com milhares de espécies vivas que desaparecem definitivamente, ano após ano, e também nas sociedades humanas com milhões que padecem fome, sede e toda sorte de doenças mortais.

Cresce mais e mais a percepção geral de que a situação da humanidade não é sustentável. A continuar nessa lógica perversa, vai construindo um caminho na direção da própria sepultura.

Demos um exemplo: no Brasil vivemos sob a ditadura da economia ultra neoliberal com uma política de extrema direita, violenta e cruel para com as grandes maiorias pobres Perplexos, assistimos as maldades que foram feitas, anulando direitos dos trabalhadores e internacionalizando riquezas nacionais que sustentam nossa soberania como povo.

Os que deram o golpe contra a Presidenta Dilma Rousseff em 2016 aceitam a recolonização do país, feito vassalo da potência dominante, os USA, condenado a ser apenas um exportador de commodities e um aliado menor e subalterno do projeto imperial.

O que se está fazendo na Europa contra os refugiados, rejeitando sua presença na Itália e na Inglaterra e pior ainda na Hungria e na catolicíssima Polônia, alcança níveis de desumanidade extremamente cruel. As medidas do Presidente norte-americano Trump arrancando os filhos de seus pais imigrantes e colocando-os em jaulas, denota barbárie e ausência de qualquer senso humanitário.

Já se disse, “nenhum ser humano é uma ilha… por isso não perguntem por quem os sinos dobram. Eles dobram por cada um, por cada uma, por toda a humanidade”.E como dobram face aos milhares de brasileiros ceifados pelo Covid-19 pela incúria,impiedade e desprezo de nosso presidente.

Se grandes são as trevas que se abatem sobre nossos espíritos, maiores ainda são as nossas ânsias por luz. Não deixemos que essa demência acima referida detenha a última palavra.

A palavra maior e última que clama em nós e nos une a toda a humanidade é por solidariedade e por com-paixão pelas vítimas, especialmente nesse tempo atroz sob o Covid-19,  é por paz e sensatez nas relações entre as pessoas,livres do ódio, dos fake news que envenenaram a atmosfera social.

As tragédias dão-nos a dimensão da inumanidade de que somos capazes. Mas também deixam vir à tona o verdadeiramente humano que habita em nós, para além das diferenças étnicas, ideológicas e religiosas. Esse humano em nós faz com que juntos nos cuidemos, juntos nos solidarizemos, juntos choremos, juntos nos enxuguemos as lágrimas, juntos oremos, juntos busquemos a justiça social mundial, juntos construamos a paz e juntos renunciemos à vingança e todo tipo de violência e guerra.

A sabedoria dos povos e a voz de nosso coração nos testemunham:Não será o descaso de nosso Presidente face às milhares de mortes pelo Coronavírus que nos fará desanimar e exigir a sua interdição por não saber governar e cuidar da vida de seu povo. Não é um Estado que se fez terrorista como os Estados Unidos sob o Presidente norte-americano Bush e continuado até Trump que irá vencer terrorismo. Nem é ódio aos imigrantes latinos difundido por Trump que trará a paz.  É o diálogo incansável, a negociação aberta e o acordo justo que tiram as bases de qualquer terrorismo e fundam a paz.

As tragédias que nos atingiram no mais fundo de nossos corações, particularmente a pandemia viral que afetou todo o planeta, nos convidam a repensarmos os fundamentos da convivência humana na nova fase, a planetária, e como cuidar da Casa Comum, a Terra como o pede o Papa Francisco em sua encíclica  “sobre o cuidado da Casa Comum”(2015).Temos que reaprender a sermos humanos, porque já naturalizamos as desumanidades, particularmente perpetradas contra os pobres, os negros, os indígenas, os quilombolas, as mulheres, os LGBT e outros.

O tempo é urgente. Desta vez não haverá um plano B, capaz de salvar-nos. Temos que nos salvar todos, pois formamos uma comunidade de destino Terra-Humanidade.

Para isso precisamos abolir a palavra inimigo, tão presente no debate político em nosso país que não reconhece a legitimidade do adversário e logo o transforma em inimigo que cabe difamar e destruir. É o medo que cria o inimigo. Exorcizamos o medo quando fazemos do distante um próximo e do próximo, um irmão e uma irmã.

Afastamos o medo e o inimigo quando começamos a dialogar, a nos conhecer, a nos aceitar, a nos respeitar, a aprender uns dos outros, a  nos amar, enfim, numa palavra, a nos cuidar; cuidar nas nossas doenças, agora sob a intrusão perigosa do coronavírs, cuidar de nossas formas de convívio na paz, na solidariedade e na justiça; cuidar de nosso meio ambiente para que seja um ambiente inteiro, sem destruir os habitats dos vírus que nos vêm dos animais ou dos arborovírus que se situam nas florestas e que fazem uma devastadora intrusão na humanidade, um ambiente este no qual seja possível o reconhecimento do valor intrínseco de cada ser; cuidar de nossa querida e generosa Mãe Terra.

Se nos cuidamos como a irmãos e a irmãs, desaparecem as causas do medo. Ninguém precisa ameaçar ninguém. Podemos caminhar à noite por nossas ruas sem medo de sermos assaltados e roubados e até mortos.

Esse cuidado será somente efetivo se vier acolitado pela justiça necessária, pelo atendimento às necessidades básicas dos mais vulneráveis, se o Estado se fizer presente com saúde (a importância que o SUS mostrou face ao Covid-19), com escolas, com segurança e com espaços de convivência, de cultura e de lazer.

Só assim gozaremos de uma paz possível de ser alcançada quando houver um mínimo de boa vontade geral e um sentido de solidariedade e de benquerença nas relações humanas. Esse é o desejo inarredável da maioria dos humanos. É essa lição que a intrusão do Covid-19 nos está dando e que temos que incorporá-la nos nossos hábitos no pos pós-coronavírus.

Leonardo Boff é ecoteólogo,filósofo e escreveu:”A Mãe Terra contra-ataca a humanidade: advertências do Covid-19″ a sair brevemente pela Vozes.

tangerinas do meu jardim.

 

20 comentários sobre “O princípio da auto-destruição e o combate ao Covid-19

  1. Mãe Terra – Uma Prece ao Meio Ambiente
    (Clélio Muniz Pires – nov.2014).

    Ó mãe, receba esta prece de apelo à tua venerável sabedoria
    Que por tantos séculos me acolhe em teus seios
    Sacia minha fome com o fruto vital e bendito do teu ventre
    Protege o meu ser da escuridão, dos frios e das chuvas
    E abriga o meu espírito no aconchego da tua pureza

    Criaste a beleza das coisas incompreensíveis à minha volta
    Os rios, os montes e o solo fértil para a semeadura
    As sombras das árvores e o perfume das flores frescas
    Que sob o signo do Sol e do olhar atento da lua
    Os entregastes a mim na confiança da tua infinita bondade

    Ó mãe, peço perdão se eu não soube zelar pela tua sábia existência
    Profanando os mais sublimes dos teus ensinamentos
    Que pela sede do poder destruí a essência da tua criação
    Tornando impróprios os caminhos da humanidade
    Contaminando as tuas águas e o verde dos teus prados

    Nas cruzadas subjuguei meus semelhantes para impor a minha fé
    Destruí irmãos em nome da irresponsabilidade da minha avareza
    Em campos de aço e de concentração fiz guerras e atrocidades
    Querendo mais domínios fui implacável escravizando quantos pude
    Do urânio e do plutônio fiz bombas aniquilando Hiroshima e Nagazaki

    Ó mãe, quase não restam pássaros nos teus domínios
    Desmatei florestas matando os seus animais e segregando índios
    Contaminei o ar com óxido nitroso, gás metano e dióxido de carbono
    Infectei os mares com meus dejetos quase pondo fim aos peixes
    E hoje eu temo pela preservação de minha morada

    Mãe, você tem mandado sinais da tua enfermidade
    Por isso eu peço perdão por todo o mal que lhe causei
    Quero me redimir, mas tenho medo de não poder curar tuas chagas
    Talvez por ser tarde demais, ou então por culpa da minha pobreza
    Então mais uma vez lhe peço, derrama a tua luz em minha alma!

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      • Caríssimo irmão estive afastada do Not Book, peço enviar matérias recentes para mim. Estou encantada com a recente Carta Encíclica do Papa Francisco: Todos Irmãos! Cordialmente, Marízia Lippi.

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  2. Caríssimo, sua doçura e sabedoria tem sido um bálsamo nessas trevas que nos aflige e entristece. Espero que tenha tido suas forças sempre renovadas pelo Espírito Santo para que nos continue sendo tão ricamente útil.

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  3. Compartilho do mesmo sentimento, estamos vivendo um verdadeiro Apocalipse, nossa mãe natureza estar sendo destruida e nós também.

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  4. Obrigado por este artigo. Temos mesmo muito o que refletir nesta torrente de acontecimentos, em pleno olho do furacão que desmancha simbólica e literalmente o mundo. É a compreensão que nos reconcilia ao mundo, com nossa humanidade, e nos eleva a condição de atores. O que acabamos de ler, a sabedoria sempre compartilhada de suas palavras nos ajuda demais nesta tarefa.

    E nada como uma tangerina madura colhida num pé que de tão carregado precisou uma escora. Que beleza.

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  5. Gostaria de saber como mandar mensagens para Leonardo Boff. Há uma página no Instagram que é contra a Teologia da Libertação. Direito deles. Mas usam a # LeonardoBoff para atrair as pessoas. Penso que algo devia ser feito. Eles não podem usar essa #.
    Qual o canal de contato com esse site?
    Grata
    Luiza Vieira

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    • Loovieira Tentei de tudo junto ao instagram para eliminar esse falso que usa meu nome. E não me concedem o
      direito de me defender. Terei que entrar na justiça pois não é lícito usar o meu nome atribuindo-me pensamentos
      que náo sao meus.

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  6. Excelente reflexão. Belo texto. Só não podemos nos tornar vitimistas e dizer que tudo está perdido. Esperança sempre. Gostaria de colocar na resposta, um texto que escrevi na minha página: https://www.facebook.com/Neuroscience-News-Amaz%C3%B4nia-906205796235988/

    Há cerca de 75.000 anos houve uma gigantesca explosão do vulcão Toba, na Indonésia. Ela foi uma das maiores explosões vulcânicas de todos os tempos e dos últimos 25 milhões de anos. Uma massa imensa de fumaça tóxica, cinza e detritos cobriram a atmosfera, levando à morte de milhões de seres vivos e a extinção de inúmeras espécies.
    Evidências genéticas e arqueológicas mostram que nossa espécie, Homo sapiens, quase foi extinta nessa época. Por exemplo, a análise genética mostra que quando se compara dois chimpanzés ou gorilas entre si existe grande diversidade genética, diferente do que quando se compara dois membros da espécie humana. Apesar das nossas diferenças, somos muito parecidos geneticamente. Além disso, a análise de registros fósseis mostra que vestígios fósseis da nossa espécie são mais encontrados há 200.000 anos e não há 100.000 anos. Isso indica que quase fomos extintos entre 75 a 100.000 atrás. Segundo alguns cálculos, acerca de 100.000 anos, havia apenas uns 2000 membros da espécie Homo sapiens. Tudo que existia da humanidade, cabia em um auditório de um grande centro de convenções.
    No entanto, nossos ancestrais migraram para sobreviver e sobreviveram. Não havia tecnologia nem ajuda do paraíso, pois Abraão, dos primórdios da história bíblica, nem existia. A história judaica vai começar só milhares de anos depois. Nossos pobres ancestrais tinham apenas seus cérebros e a vontade de viver. Se eles, nos primórdios da evolução humana, sobreviveram à colossal explosão de Toba e a uma era glacial, então nós, com nossa ciência, a melhor invenção da humanidade, e nossa tecnologia, também sobreviveremos. Tenhamos esperança.

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    • Na plenitude dos tempos Deus enviou o Salvador prometido, confirmando sua fidelidade. Cabe à humanidade corresponder ao Amor de Deus sendo fiel e pagando Amor com amor .Com certeza todos seremos felizes!

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  7. “Felizes os que têm espírito de pobre, porque deles é o Reino dos Céus. Felizes os que choram, porque serão consolados.Felizes os mansos, porque possuirão a Terra. Felizes os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados. Felizes os misericordiosos porque alcançarão misericórdia.Felizes os puros de coração, porque verão a Deus. Felizes os que promovem a paz, poque serão chamados filhos de Deus. Felizes os perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino dos Céus. Felizes sereis quando vos insultarem e perseguirem e, por minha causa, disserem todo tipo de calúnia contra vós. Alegrai-vos e exultai, porque grande será a vossa recompensa nos Céus. Foi assim que perseguiram os profetas antes de vós.” (EVANGELHO DE NOSSO SENHOR E SALVADOR JESUS ESCRITO POR SÃO MATEUS CAPÍTULO 5, 1-12). Entendo que, o de que a humanidade está necessitando, é um encontro com o Divino Salvador prometido e fielmente enviado pelo Divino Criador, para ser beneficiada pelo Divino Santificador!

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  8. Caríssimo irmão em Cristo, suas palavras são um bálsamo e estímulo. “Sede santos porque Eu, o Senhor vosso Deus, Sou Santo.”(Levítico 11,44 ; 19,2 ; 20,26 ).

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  9. Nossos primeiros pais, Adão e Eva, deram origem à primeira e continuada pandemia da humanidade, o pecado. O Pai Eterno na sua infinita misericórdia logo veio em socorro. Vou mandar um salvador. Foi fidelíssimo e, na plenitude do tempo, enviou Jesus. Sua Obra Salvífica, e Perfeita nestes mais de dois mil anos tem gerado santos maravilhosos. Glória a Deus! Entretanto pelo vigor do Maligno e pela leviandade humana, a pandemia prossegue, dolorosamente. No presente momento, estamos sofrendo uma decadência política mundial.Menciono a recente notícia de guerra com a Venezuela acalentada por Trump-Bolsonaro, chega a soar como piada, não governam devidamente seus países… Apesar do Médico e dos Remédios serem eficazes: Evangelhos, Sacramentos, a força do Maligno e a indiferença de muitos, o objetivo salvífico não é alcançado por muitos, lamentavelmente!

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