O sistema agroalimentar mundial – em crise terminal.

Jean Marc von der Weid

Jean Marc von der Weid é um dos que melhor conhece os problemas agrários do país e em termos mundiais. Publicamos este texto, extraido do IHU de30/4/2024.Ele nos oferece uma visão geral dos problemas ligados à alimentação da humanidade e as crises que poderemos enfrentar.LBoff

30 Abril 2024

“Todos os analistas insistem que as causas da fome e subnutrição no mundo se explicam por problemas de acesso à alimentação e não por falta de produto”.

A análise é de Jean Marc von der Weid, economista e agroecólogo, ex-presidente da UNE (1969-71) e fundador da organização não governamental Agricultura Familiar e Agroecologia (ASTA), em artigo publicado por A Terra é Redonda, 20-04-2024.

        O sucesso do sistema agroalimentar vigente

Desde meados do século passado o sistema produtivo conhecido como Revolução Verde expandiu-se celeremente e hoje ocupa a totalidade das terras cultivadas nos países desenvolvidos e a ampla maioria daquelas dos países antigamente chamados de Terceiro Mundo e hoje de Sul Global. Esta expansão permitiu um aumento extraordinário da produção agropecuária ao ponto dos mais otimistas considerarem que o fantasma de Malthus tinha sido definitivamente exorcizado. Todos os mega produtores agrícolas atualmente (EUA, Brasil, EU, China, Índia, Argentina, Canadá, Austrália, Rússia e outros menores) aplicam este sistema, marginalizando a produção tradicional camponesa.

O sistema agroalimentar mundial produz 2900 calorias por pessoa por dia, descontadas as perdas, desperdícios, conversão para alimentação animal e bioenergia. Isto permitiria alimentar (apenas no sentido de fornecer as calorias necessárias) 9 bilhões de humanos, mais do que a população atual do planeta. (relatório FAO, 2016)

Todos os analistas insistem que as causas da fome e subnutrição no mundo se explicam por problemas de acesso à alimentação e não por falta de produto. Em termos relativos, o efeito da expansão deste sistema foi a redução da fome no planeta como um todo, embora em números absolutos o ano de menor contingente de famintos ainda registrou mais de 700 milhões de pessoas, no final dos anos 90. Atualmente este número chega a 850 milhões (FAO), sendo que outros analistas elevam este número para mais de 1 bilhão. Entretanto, são muitos os países, e não só entre os mais pobres, onde a fome é endêmica.

Apesar da percepção generalizada de sucesso deste sistema, muitas vozes já levantavam dúvidas e críticas desde os anos 1980. Estas vozes hoje são muito mais incisivas e tem muito mais ressonância do que no passado. Entidades pouco suspeitas de ideologismos como vários organismos da ONU (FAO, UNCTAD, Relatoria do Direito Humano à Alimentação, UNDP, UNEP e outros), o IPCC e até (em termos menos críticos) o Banco Mundial, vêm publicando estudos e projeções cada vez mais veementes sobre a crise alimentar mundial e seus prováveis desdobramentos.

O estudo elaborado pelo IAASTD (International Assessement of Agriculture Knowledge, Science and Technology for Development) promovido Banco Mundial e pela FAO e apresentado em 2009, indicou múltiplos fatores de insustentabilidade do atual sistema agroalimentar mundial, depois de quatro anos de pesquisas com centenas de cientistas, confirmando uma ampla gama de estudos parciais realizados nos últimos 20 anos por dezenas de entidades multilaterais e nacionais.

Sinais de esgotamento do sistema

Os sinais da crise começam com a percepção de que o sistema tinha chegado, na segunda metade dos anos 1980, a um estancamento. Isto se mediu por vários fatores.

O primeiro foi a diminuição (ou o estancamento e até decréscimo) do ritmo do aumento das produtividades das culturas, com as novas variedades desenvolvidas cientificamente oferecendo apenas pequenos incrementos a cada ano, após três décadas de avanços significativos. Estes modestos incrementos, entretanto, não chegaram a compensar o aumento do número de consumidores.

O segundo foi a crescente necessidade de aumentar a fertilização das culturas apenas para manter as produtividades.

O terceiro foi crescente perda de produção devido à multiplicação de pragas e doenças sem que o uso, mesmo ampliado, de agrotóxicos pudessem controlá-las.

O uso de engenharia genética foi anunciado como um grande salto à frente, mas após 30 anos de aplicação resultou apenas em avanços nos lucros das empresas de biotecnologia. Não houve avanços em termos de aumento de produtividades nem diminuição no uso de agrotóxicos. Isto sem falar nos cada vez mais numerosos e dispendiosos processos de consumidores contra as empresas de biotecnologia, condenadas por impactos na saúde.

As carências estruturais do sistema agroalimentar

As mencionadas críticas, já preocupantes por si mesmas, empalidecem quando se analisam os impactos já visíveis e os previsíveis de carências inerentes ao próprio sistema. O sistema agroalimentar está submetido a um conjunto de fatores que o estão levando a uma crise terminal, colocando em risco toda a humanidade. Qualquer um destes fatores leva à inviabilização do sistema, mas a sua combinação acelera o processo.

O primeiro fator tem a ver com o fato de que o sistema agroalimentar depende de recursos naturais para produzir: os renováveis, como solo, água e biodiversidade e os não renováveis, como petróleo, gás, fósforo e o potássio. Os primeiros estão sendo destruídos e os segundos estão sendo esgotados.

O esgotamento dos recursos naturais não renováveis – petróleo e gás

O esgotamento das reservas de petróleo é objeto de debates desde os anos 50, quando o geólogo americano King Hubert projetou o esgotamento das reservas americanas para o ano 1970. A projeção de King se confirmou, mas a que ele fez para a produção mundial, o ano de 2000, não. Mas o erro, desculpável pela maior dificuldade de acessar dados precisos em todo o mundo, foi de apenas oito anos.

Hoje ninguém discute o fato de que a oferta do chamado petróleo convencional estancou em 2008 e hoje oscila levemente em um patamar estável. Como a demanda não parou de crescer, a corrida para explorar petróleo em formas ditas não convencionais explodiu, estimulada pelos preços mais altos do convencional.

O dito petróleo não convencional é o explorado em águas profundas, como o nosso pré-sal ou as jazidas do Golfo do México e do Mar do Norte, todos, menos o primeiro, já em declínio acentuado. Também são óleos não convencionais os extraídos das areias betuminosas do Canadá, ou através do fracking de rochas porosas nos Estados Unidos, ou de depósitos de xisto. No entanto, apesar do sucesso imediato da oferta destes óleos, as previsões apontam para um esgotamento ainda nesta década. E o custo destes produtos é maior do que na exploração de petróleo convencional, além dos impactos ambientais serem muito maiores. Ficam ainda na reserva os chamados óleos ultrapesados, como os da bacia do Orenoco, na Venezuela. No frigir dos ovos, os analistas confluem na avaliação de que nos aproximamos de um momento em que a oferta não vai poder cobrir a demanda.

Nada disso significa que o petróleo, em todas as suas formas, convencionais ou não, vai desaparecer de um dia para o outro. Mas vai começar a rarear e, sobretudo, vai ficar mais caro a cada ano. Na crise de 2008 o preço do barril de Brent, referência de mercado para o petróleo convencional, chegou a um pico de 130,00 dólares e foi o motor de uma crise financeira mundial. Hoje ele está em 90,00 dólares e subindo.

Não é exagero dizer, como alguns autores, que a “comida é petróleo digestível”. O sistema agroalimentar depende totalmente do petróleo, quer como energia para mover tratores e máquinas agrícolas ou para a produção de fertilizantes e agrotóxicos, quer como combustível para o transporte e para o processamento. O aumento dos preços do petróleo fere o sistema no coração e projeta aumentos de preços dos alimentos, no imediato, e a diminuição da oferta, no médio e no longo prazo.

Como as reservas de gás ainda estão mais elásticas, ele pode vir a substituir o petróleo por algum tempo, mas não muito. As previsões para a oferta de gás miram nos meados da próxima década como provável início do esgotamento.

O esgotamento das reservas de fósforo

O segundo produto natural não renovável de imenso peso na agricultura é o fósforo. Nenhuma planta pode existir sem dispor de fósforo em doses variadas segundo a espécie. Quando há carência deste mineral o efeito pode ser, de acordo com o caso, a perda de produtividade e a maior fragilidade frente a doenças e pragas.

As reservas de fósforo no mundo estão concentradas em poucos países, sendo que as maiores e ainda menos exploradas se encontram em um território disputado pelo Marrocos e pelo povo Saaruí. A previsão do esgotamento é para mais duas décadas, mas os custos da extração estão em constante aumento pelo fato de que as jazidas mais acessíveis já estarem em processo de esgotamento.

O Brasil é altamente dependente das importações de fosfatos, do Canadá ou da Rússia e Ucrânia. A agricultura chinesa sempre usou como fertilizante o composto de esterco, animal ou humano. Isto foi substituído, a partir dos anos 80, pelo uso cada vez mais intensivo de fertilizantes químicos. Com uma população cada vez mais urbana, os chineses necessitariam adotar sistemas de coleta e tratamento em escala industrial. É o mesmo caso para o Brasil, com o agravante de sermos altamente deficitários na coleta e tratamento de esgoto ou de lixo.

É preciso registrar, também, que o uso de adubos químicos solúveis implica em perdas da ordem de 50% dos produtos, parcela que nunca chega a ser utilizada pelas plantas e que se perde carreada pelas chuvas para poluir lençóis freáticos, lagos, rios, reservatórios e o mar. Já existem processos modernos de aplicação modulada de adubos químicos e o uso de formas não diretamente solúveis pela água, mas por ação das próprias plantas. Mas estas práticas mais avançadas não são amplamente utilizadas, ainda, por serem mais caras. Os subsídios públicos para o uso de fertilizantes têm a ver com este diferencial de custos e necessitariam de ser eliminados.

Recursos naturais renováveis – solos

Mesmo desconsiderando previsões mais pessimistas que indicam o esgotamento dos solos férteis entre 30 e 60 anos, não confirmadas por estudos científicos, há suficientes indicadores para que se acendam os sinais vermelhos de alarme.

A FAO indica que 33% de todos os solos no mundo estão degradados pela erosão, salinização, compactação e contaminação química. A perda de solos agricultáveis é estimada, pela mesma fonte, em 12 milhões de hectares por ano, enquanto 290 milhões de hectares estão em alto risco de desertificação. Já os processos de esgotamento de solos, com perda de nutrientes essenciais, afetam a produtividade de 20% das culturas. Por outro lado, as áreas de pastejo tem decréscimos de produtividade entre 19% e 27%, segundo o tipo de bioma (grasslands e rangelands) (UN Department of Economic and Social Affairs, 2012).

Em todos os estudos mencionados os impactos sobre o solo derivam das práticas da agricultura convencional.

Água

O sistema agroalimentar dominante é o maior consumidor de água entre todas as atividades humanas, em média mundial, 70% do total de extrações. As áreas irrigadas vêm dobrando a cada década desde os anos 50, na medida em que vai se disseminando em todo o mundo uma dieta que cobra altos investimentos o uso deste recurso. Para dar alguns exemplos: um hambúrguer requer 2240 litros de água e uma xícara de café, 140. A UNEP (United Nations Environment Program) adverte que, se esta trajetória continuar, a falta de água vai provocar perdas de até 25% da produção de alimentos.

O rebaixamento de lençóis freáticos por consumo superior às taxas de reposição afeta maciçamente países como China, Índia, Irã, México e muitos outros. Por outro lado, vários grandes rios passam meses ao ano sem ter água correndo, fruto das retiradas para irrigação, entre eles o Amarelo (China), Indo e Ganges (Índia), Colorado e Grande (EUA). Grandes lagos como o Aral e Chade estão quase totalmente secos, enquanto grandes aquíferos vão se esvaziando, como o Ogallala (EUA) e o Guarani (Brasil e Paraguai) está sendo contaminado por agrotóxicos e fertilizantes.

Biodiversidade

O abastecimento alimentar vem sofrendo um constante estreitamento na variedade de produtos ofertados. Das mais de 50 mil plantas comestíveis existentes, apenas três (arroz, milho e trigo) respondem por 2/3 de todas as ingestões calóricas dos consumidores e 90% de toda a alimentação depende de apenas 15 produtos. Historicamente esta situação indica um alto risco para o abastecimento, sendo que ele é ainda mais grave pelo fato de que este reduzido número de plantas é produzido a partir de um muito pequeno número de variedades de cada uma delas.

As perdas da biodiversidade agrícola no último século foram gigantescas, como demonstra um estudo do USDA que comparou o número de variedades com sementes colocadas no mercado americano em 1903 com aquelas guardadas no laboratório nacional de estocagem de sementes em 1983, indicando a extinção de 93% delas.

Alterações climáticas globais

Para além das perdas dos recursos naturais renováveis e do esgotamento dos não renováveis, o sistema agroalimentar está seriamente ameaçado pelo aquecimento global e as consequentes mudanças no clima.

Em primeiro lugar, é preciso lembrar que o IPCC vem apontando, a cada novo relatório, uma aceleração do aquecimento global, provocado pelo crescente uso de combustíveis fósseis e pela expansão da agricultura e da pecuária. A meta limite assignada no Acordo de Paris em 2014, um aumento máximo de 1,5º C na temperatura média mundial, estimado para ocorrer até 2040, já está sendo atingido em 2024. Não é ainda a média anual, mas nos meses mais quentes este índice foi alcançado e deve ser anualizado nos próximos anos. O IPCC já está indicando que um aquecimento de 2º C é inevitável até 2030, mesmo se as emissões de gases de efeito estufa (GEE) forem eliminadas imediatamente. Isto se dá pelo delay entre a emissão de gases e seu efeito no aquecimento.

A agricultura industrial e o sistema agroalimentar como um todo tem um gigantesco impacto neste processo. As emissões de GEE da agricultura e da pecuária (11 a 15%), junto com o seu impacto nos desmatamentos (15 a 18%), representam 26 a 33% do total. Por outro lado, o conjunto do sistema agroalimentar, incluindo transportes (5 a 6%), processamento e embalagem (8 a 10%) refrigeração e supermercados (2 a 4%) e desperdícios (3 a 4%) chega a representar entre 44 e 57% de todas as emissões de GEE (ETC e Grain).

O mero aquecimento do planeta impacta pesadamente a agricultura, provocado pelo estresse das altas temperaturas. Com o aquecimento alcançando os fatídicos 2º C são esperados efeitos de até 30% de perdas na produtividade das plantas, dependendo da espécie. Por outro lado, o clima está se tornando visivelmente mais instável e imprevisível, com secas e inundações mais frequentes e intensas, também com grandes impactos na produtividade das plantas.

Maiores temperaturas também propiciam uma maior multiplicação de pragas afetando as produções. Finalmente, o aquecimento está provocando o degelo acelerado e a consequente elevação do nível dos oceanos. Marés cada vez mais altas já estão inviabilizando a produção em áreas costeiras baixas no Bangladesh, Paquistão, Índia e China, enquanto enchentes gigantescas afetam milhões de pessoas em todo o mundo, obrigando o deslocamento em massa de populações.

Para completar este quadro sombrio é preciso ainda lembrar que o IPCC predisse, em 2018, que 32% da superfície terrestre será árida antes mesmo do aquecimento global chegar aos 2º C.

Em resumo, estes dados são apenas uma amostra do conjunto muito mais amplo de fatores que apontam para a conclusão a que chegou a FAO em um evento científico em 2014: “business as usual is not an option”. Em bom português: mais do mesmo não é uma opção.

E qual é a opção? ou as opções?

Antes de apresentar as opções e discutir a sua validade, é bom lembrar que a crescente onda de críticas ao modelo agroalimentar convencional não significou uma mudança nos rumos da forma de se produzir no setor agrário. As formas alternativas de produção estão se multiplicando em todo o mundo, mas representam ainda apenas uma fração diminuta do output total do setor agropecuário. Em outras palavras, os elementos apresentados acima como fatores de insustentabilidade estão se agravando e arrastando a humanidade para o desastre. Mesmo as entidades como a FAO, por exemplo, que tinham feito declarações firmes sobre a insustentabilidade do modelo dominante, continuaram apoiando, nas suas atividades, os mesmos paradigmas que levavam a esta insustentabilidade.

Esta realidade se explica pelo poderio das empresas que controlam as várias etapas do sistema agroalimentar. Um punhado de transnacionais domina a produção de fertilizantes, de agrotóxicos, de maquinário, de produtos veterinários e de sementes, utilizados por um número cada vez menor de grandes produtores, que vão concentrando a economia agrária. No setor de transformação a concentração vai no mesmo caminho, assim como no comércio de atacado. Até mesmo no mais pulverizado setor de comércio varejista a concentração se manifesta, embora em níveis menos impressionantes.

E, por trás destas megaempresas, o peso do setor financeiro vem se tornando cada vez maior. Pode-se dizer que esta aliança entre o capital produtivo e o financeiro determina os rumos do sistema agroalimentar, influenciando desde a opinião pública até governos e parlamentos nacionais e, em parte, organismos multilaterais.

Este predomínio econômico, que se reflete nas instituições nacionais e internacionais, faz com que o modelo siga, impavidamente, produzindo com os mesmos vícios de sempre. Criaram-se algumas “alternativas” que não escapam de aplicar os mesmos paradigmas, no máximo racionalizando e buscando minimizar alguns dos piores efeitos do modelo. É o caso do que é conhecido como “climate smart agriculture” (intraduzível, algo como agricultura preocupada com o clima) ou a agricultura de precisão. Em ambos os casos, não se põe em questão o modelo de monoculturas em enormes extensões de terras e aposta-se nas mágicas prometidas pela engenharia genética.

É o que os franceses chamam de “fuite en avant”, ou fuga para adiante. E mesmo estas “soluções” têm pouca adoção pelo agronegócio. Racionaliza-se o uso de fertilizantes químicos, mas não se deixa de depender de uma adubação com data marcada para desaparecer. E o uso de agrotóxicos não para de crescer em todo o mundo.

A solução, demonstrada por inúmeras experiências com um histórico de mais de 80 anos, é a agroecologia. Sua prática vem se ampliando rapidamente nas últimas décadas, com o número de produtores dobrando a cada uma delas e já chegando a dezenas de milhões de camponeses, mas também de milhares de empresários do que já é chamado de agronegócio verde.

Existem várias vertentes sob esta designação de agroecologia, sendo que as mais antigas precedem a adoção deste conceito. Trata-se da agricultura orgânica, com a variante biodinâmica. Nesta versão da agroecologia, entretanto, prevalece uma abordagem mais voltada para a produção de alimentos “limpos” do uso de produtos químicos ou variedades da engenharia genética. A agricultura orgânica se caracteriza mais pelo que ela não pode utilizar para ter seus produtos certificados. Frequentemente, esta produção orgânica mantém um desenho produtivo com monoculturas para permitir a mecanização, o que leva alguns puristas a não a considerar agroecológica. A meu ver, é preciso aceitar que existem mediações entre sistemas que aplicam todos os princípios da agroecologia e os que fazem simplificações de modo a poderem responder a algum tipo de pressão, seja de trabalho, seja de mercado.

Em sistemas agroecológicos mais avançados o desenho produtivo é mais complexo e diversificado e não comporta monoculturas. Estes sistemas provaram, na prática, serem os de melhor performance em termos de produtividade total por área cultivada, mas também mostraram que esta área não pode ser grande. Há uma relação inversa entre a complexidade de um sistema agroecológico e o tamanho da área produtiva. O tamanho e a complexidade implicam um maior uso de mão de obra, mas o limitante principal é a capacidade de gestão do espaço e do tempo de trabalho. A implicação deste fato é a necessidade de se multiplicar o número de produtores de forma gigantesca, invertendo a tendência da agricultura convencional que sempre buscou, desde o advento do capitalismo, diminuir o uso de mão de obra e ampliar a escala das áreas de cultivo.

Se o mundo não estivesse enfrentando uma crise energética crescente, seria impensável pensar em abandonar as imensas fazendas com dezenas de milhares de hectares de monoculturas operados por umas poucas dezenas de motoristas de tratores, cultivadores, colheitadeiras e aplicadores de fertilizantes químicos, agrotóxicos e irrigação. Mas o custo energético do sistema convencional vai exigir o maior emprego de mão de obra, bem como uma radical redistribuição da produção alimentar em todo o mundo, buscando diminuir ao máximo a distância dos consumidores. Antes que se argumente com a substituição dos combustíveis fósseis por energia “verde”, é bom lembrar que há limites importantes para que isto se dê de forma generalizada.

Como já foi dito, sistemas agroecológicos diversificados são operados com maior eficiência por produtores familiares e em pequena escala. E para que se possa produzir alimentos em quantidade e qualidade necessárias para garantir uma dieta adequada a toda a população do planeta, vai ser preciso mais do que uma reforma agrária. Vai ser necessário fazer uma revolução agrária e entregar as terras do agronegócio para centenas de milhões de camponeses. A título de exemplo podemos citar um estudo realizado nos EUA indicando que a adoção generalizada da produção orgânica e garantir a oferta alimentar adequada para toda a população seria necessária uma base de 40 milhões de camponeses. Tal estudo usou produtividades das experiências de produção orgânica nos EUA, mais baixas do que as agroecológicas aqui no Brasil. Mas mesmo com menor performance, a produtividade da agricultura orgânica norte-americana é comparável com a da agricultura convencional em condições climáticas ideais. Em situações de seca, que tendem a ser tornar muito mais frequentes, esta produtividade chega a ser 40% maior.

Estudos encomendados pela FAO mostraram que a agricultura orgânica pode alimentar corretamente uma população de 10 bilhões de pessoas, substituindo totalmente os sistemas convencionais. Haveria mudanças na composição das culturas, com uma diminuição significativa da produção animal, sobretudo de gado bovino e aumento na produção de leguminosas e hortaliças. A quantidade de calorias disponível também cairia, mas mantendo-se acima das necessidades vitais de cada um.

Outros estudos apontam para a possibilidade de se substituir toda a fertilização química de nitrogênio, fósforo e potássio por leguminosas fixadoras do primeiro e compostagem de lodo de esgoto e lixo orgânico para o segundo e terceiro.

Por outro lado, os sistemas agroecológicos permitem a fixação de carbono nos solos, além de favorecerem o reflorestamento, o que tem o mesmo efeito. A redução dos estoques de bovinos teria impactos na diminuição da emissão de N20, um dos mais poderosos GEE. Alguns estudos indicam que, entre o reflorestamento, a redução das emissões do gado bovino e a fixação de carbono nos solos retiraria significativamente o CO2 da atmosfera, além de diminuírem exponencialmente as emissões de N2O.

Não é preciso se estender nos comentários sobre os impactos positivos da agroecologia na eliminação da contaminação química de solos e águas, bem como na maior economia no uso de água na agricultura. Estes resultados são inerentes à agroecologia.

Para completar esta breve análise das implicações da adoção generalizada da agroecologia no lugar da agricultura convencional é preciso indicar que o efeito social seria gigantesco. Transferir milhões de pessoas do universo urbano de volta para o rural vai ser uma imposição desta realidade e, para que isto seja possível, vai ser necessária uma redistribuição da renda para remunerar corretamente uma produção vital, os alimentos e outros produtos agrícolas, assim como o pagamento dos serviços ambientais do novo sistema. Um imposto sobre a emissão de GEE e um bônus pela sua retirada da atmosfera favoreceriam esta redistribuição.

Todas estas mudanças têm implicações para a pesquisa científica, exigindo novas formas de produção do conhecimento. A prática mostra que a extrema diversidade dos sistemas produtivos na agroecologia elimina propostas centradas no monocultivo, marca da atual pesquisa agropecuária. A agroecologia é “knowledge intensive”, enquanto a agricultura convencional é “input and energy intensive”. Vai ser preciso combinar a investigação científica com a experimentação camponesa para que possam ser redesenhados esquemas produtivos específicos para cada produtor. São novos paradigmas para o ensino das ciências agrárias, para a pesquisa e para a extensão rural. Esta nova distribuição do trabalho acontecerá de uma forma ou de outra. Se induzida pela compreensão antecipada da sua necessidade ela enfrentará sobretudo a resistência do agronegócio. Se deixada para quando as crises se agravarem ela vai se fazer em meio a imensas dificuldades oriundas de uma produção cada vez mais insuficiente e todas as perturbações sociais e políticas que não deixarão de se manifestar

Por que o engajamento sócio-político hoje é tão difícil?

Leonardo Boff

Estamos assistindo nos dias atuais a um preocupante recuo nas bases populares e em vários movimentos sociais, em particular, de cariz político, do engajamento por uma transformação da sociedade, seja a nível nacional, seja a nível mundial. Importa reconhecer que vigora pesado sentimento de impotência e também de melancolia. À parte desta constatação, estamos igualmente assistindo nos países centrais (USA e Europa) a juventude universitária se rebelando contra a desproporcional, indiscriminada e genocida reação do estado de Israel contra a população  da Faixa de Gaza como resposta ao ato terrorista do Hamas a 7 de outubro do ano passado.

O stablishment político, dominante no mundo, a partir do Norte Global, reage com violência inusitada contra os manifestantes. Na Alemanha qualquer manifestação pro Palestina da Faixa de Gaza é oficialmente proibida e logo reprimida ao menor sinal  de apoio  à causa  palestina e contra o genocídio que lá está ocorrendo. Nos USA a repressão policial ganha expressões violentas contra estudantes e professores universitários, até contra uma candidata à presidência do país.

Entre nós no Brasil e em geral na América Latina se nota marasmo e ausência de manifestações públicas, sequer contra o genocídio, em especial de 14 mil criancinhas e a morte de cerca 80 mil cidadãos sob os pesados bombardeios israelenses, usando de forma criminosa a Inteligência Artificial (IA) para assassinar determinadas pessoas e sua inteira família, dentro de suas próprias casas.

Precisamos  tentar entender o porquê dessa inércia. Aduzo alguns pontos que nos permitem vislumbrar algum entendimento da atual situação seja face à grave situação concernente à Ucrânia sendo arrasada pela brutalidade russa e seja ao massacre e ao genocídio na Faixa de Gaza.

Vigora em grande parte da sociedade, em particular no Sul Global mas não excluindo porções no Norte Global, um forte sentimento de impotência. Em primeiro lugar, objetivamente, o sistema capitalista em sua expressão mais exacerbada do neoliberalismo da escola de Viena/Chicago  se impôs no mundo todo. Quem resiste sofre repressões políticas, ideológicas e eventualmente golpes de estado como foi o caso do impeachment da Dilma Russeff. Procura-se impor o que Carl Polanyi já em 1944 chamou de “A grande transformação”: passar de uma sociedade com mercado para uma sociedade de puro mercado. Vale dizer, tudo vira mercadoria, a vida humana, órgãos, sementes, água, alimentos, tudo e tudo é posto no mercado e ganha seu preço. Isso já fora previsto em 1847 por Marx em “A miséria da filosofia”.

Esse fato objetivo gera uma reação subjetiva: começa-se a ver o mundo sem esperança, de que não há alternativa viável à essa enormidade mundializada. Ela se exprime pela TINA(There is no Alternative): “Não há outra Alternativa”. O efeito é um sentimento de impotência e de desencanto recalcado. Daí se deriva uma atitude derrotista de que não vale a pena ir contra o sistema, por ser grande demais e nós pequenos demais. Obrigam-se a fazer concessões para sobreviver num mundo profundamente desigual e injusto, produtor de melancolia. Esta irrompe quando não se percebe nenhuma luz no fim do túnel. Então, por que se engajar por algo alternativo que não tem chance de triunfar? Este tipo de mundo não tem jeito mesmo, pensam não poucos. Devemos nos adaptar a ele para sofrer o menos possível.

Um segundo ponto é a estratégia perversa de elaborada pelo sistema dominante: criar uma cultura do consumo. Oferecer o maior número de objetos desejáveis, mesmo que mais de 90% sejam totalmente fúteis e desnecessários. Trata-se de manipular uma das forças mais poderosas da psiqué humana: o desejo, cuja natureza já vista por Aristóteles e confirmada por Freud é a de ser ilimitada.Já foi dito por notáveis psicólogos (exemplo:Mary Gomes e Allen Kenner) que “este é o maior projeto psicológico jamais produzido pela espécie humana”: impedir que os cidadãos deixem de se considerar cidadãos para se transformarem em simples consumidores e consumidores viciados no consumo.

Para seduzi-los, gastam-se trilhões de dólares em propaganda pela mídia de massa e com todos os recursos possíveis da sedução. Isto representa seis vezes mais investimento anual necessário para garantir alimentação, saúde, água e educação de qualidade para toda a humanidade. É difícil imaginar perversidade maior. Mas ela é predominante no modo de vida geral  da humanidade que daí emergiu.

A impotência e a melancolia internalizadas fazem com que a maioria das pessoas, lastimavelmente, dos jovens, não se animem a engajar-se social e politicamente em algum movimento ou projeto de transformação. A educação em instituições formais é decisiva para a socialização desta leitura da realidade. Vandana Shiva, grande cientista e ecologista-feminista da Índia a chama de “monocultura das mentes”. Essa monocultura gera nos estudantes consciências ingênuas que esse é o mundo bom e desejável. Não se dão conta de que são cooptados pelo sistema imperante e feitos seus reprodutores.

Contra tudo isso Paulo Freire lançou seu projeto educativo e libertador, a começar com a “Pedagogia do Oprimido”, “Educação como prática da Liberdade” e concluindo com a  educação com amor e esperança. Cunhou a expressão “esperançar”: não cruzar os braços (esperar que as coisas por si mudem) mas criar as condições para que a esperança alcance seus objetivos transformadores.

Como se libertar da consciência ingênua manipulada? Não basta apenas o processo de conscientização, pois entender criticamente o que acontece, não quer dizer mudar o que acontece. Temos que passar a uma prática alternativa, enfrentar o sistema dominante com um paradigma de sociedade diferente, igualitária, não consumista mas solidária com um  modo de produção fundado nos ritmos da natureza (agroeologia e economia circular) e outro tipo de democracia ecológico-social, de baixo para cima, na qual se reconheçam os direitos da natureza e da Mãe Terra, criando o Todo, a  humanidade e a natureza incluídas na grande Casa Comum, a Mãe Terra.

(A reflexão,buscando as alternativas, virá no próximo artigo)

Leonardo Boff publicou Cuidar da Casa Comum:pistas para protelar o fim do mundo, Vozes 2024.

Somos Tierra que piensa, siente, ama y cuida

Leonardo Boff*

Hoy 22 de abril se celebra el día de la Tierra. Ella se ha transformado en la actualidad en el grande y oscuro objeto de la preocupación humana. Nos damos cuenta de que podemos ser destruidos. No por algún meteoro rasante, ni por algún cataclismo natural de proporciones fantásticas, sino por causa de la irresponsable actividad humana, especialmente por el modo de producción capitalista dominante. Se han construido tres máquinas de muerte que pueden destruir la biosfera: el peligro nuclear, la sistemática agresión a los ecosistemas y el cambio climático. Debido a esta triple alarma, hemos despertado de un torpor ancestral. Somos responsables de la vida o de la muerte de nuestro planeta vivo. Depende de nosotros el futuro común, el nuestro y el de nuestra querida casa común: la Tierra que amamos entrañablemente.

Como medio de salvación de la Tierra se invoca la ecología. No solo en su sentido manifiesto y técnico como administración de los recursos naturales, sino como una visión del mundo alternativa, como un nuevo paradigma de relación respetuosa y sinérgica con la Tierra, considerada como un superorganismo vivo (Gaia) que se autorregula.

         Cada vez nos damos más cuenta de que la ecologia se ha transformado en el contexto general de todos los problemas, de la educación, del proceso industrial, de la urbanización, del derecho y de la reflexión filosófica y religiosa. A partir de la ecología se está elaborando e imponiendo un nuevo estado de conciencia en la humanidad que se caracteriza por más benevolencia, más compasión, más sensibilidad, más ternura, más solidaridad, más cooperación, más responsabilidad hacia la Tierra y su preservación.

         La Tierra puede y debe ser salvada. Y será salvada. Ella ya pasó por más de l5 grandes devastaciones y siempre sobrevivió y salvaguardó el principio de la vida. También va a superar los impasses actuales. Pero con una condición: que cambiemos de rumbo, que de amos y señores pasemos a ser hermanos y hermanas entre nosotros y con todas las criaturas. Esta nueva óptica implica una nueva ética de responsabilidad compartida, de cuidado y de sinergia para con la Tierra.

El ser humano, en las distintas culturas y fases históricas, ha revelado esta intuición segura: pertenecemos a la Tierra; somos hijos e hijas de la Tierra; somos Tierra, pues, como se dice en el Génesis, venimos del polvo de la Tierra (Gn 2,7). Por eso hombre viene de humus. Venimos de la Tierra y volveremos a la Tierra. La Tierra no está ante de nosotros como algo distinto de nosotros mismos. Tenemos la Tierra dentro de nosotros. Somos la propia Tierra que en su evolución llegó al momento de autorrealización y de autoconciencia.

         Inicialmente no hay, pues, distancia entre nosotros y la Tierra. Formamos una misma realidad compleja, diversa y única.

         Fue lo que testimoniaron varios astronautas, los primeros en contemplar la Tierra desde fuera de la Tierra. Lo dijeron enfáticamente: desde aquí, desde la Luna o a bordo de nuestras naves espaciales no notamos diferencia entre Tierra y humanidad, entre negros y blancos, demócratas o socialistas, ricos y pobres. Humanidad y Tierra formamos una única entidad espléndida, reluciente, frágil y llena de vigor. Esa percepción es radicalmente verdadera.

         Dicho en términos de la cosmología moderna: estamos formados con las mismas energías, con los mismos elementos físico-químicos dentro de la misma red de conexiones de todo con todo que actúan desde hace 13.700 millones de años, desde que el universo, dentro de una incomensurable inestabilidad (big bang = inflación y explosión), emergió en la forma que existe hoy. Conociendo un poco esta historia del universo y de la Tierra estamos conociéndonos a nosotros mismos y nuestra ancestralidad.

         Cinco grandes actos, nos enseñan los cosmólogos, estructuran el teatro universal del cual somos coactores.

         El primero es el cósmico: irrumpieron las energías y elementos primordiales que subyacen al universo. Comenzó un proceso de expansión y a medida en que se expandía, se autocreaba y se diversificaba. Nosotros estábamos allí en las virtualidades contenidas en ese proceso.

         El segundo es el químico: en el seno de las grandes estrellas rojas (los primeros cuerpos que se densificaron y se formaron hace por lo menos 5 mil millones de años) se formaron todos los elementos pesados que constituyen hoy cada uno de los seres, como el oxígeno, el carbono, el silicio, el nitrógeno etc. Con la explosión de estas grandes estrellas (se volvieron supernovas) tales elementos se esparcieron por todo el espacio, constituyeron las galaxias, las estrellas, los planetas, la Tierra y los satélites de la fase actual del universo. Aquellos elementos químicos circulan por todo nuestro cuerpo, sangre y cerebro.

          El tercer acto es el biológico: de la materia que se complejiza y se enrolla sobre sí misma en un proceso llamado de autopoiesis (autocreación y autoorganización) irrumpió hace 3.800 millones de años la vida en todas sus formas; atravesó gravísimas destrucciones pero siempre subsistió y llegó hasta nosotros en su inconmensurable diversidad.

         El cuarto es el humano, subcapítulo de la historia de la vida. El principio de complejidad y de autocreación encuentra en los seres humanos inmensas posibilidades de expansión. La vida humana surgió y floreció en África hace unos 8-10 millones de años. A partir de ahí, se difundió por todos los continentes hasta conquistar los confines más remotos de la Tierra. El humano mostró una gran flexibilidad; se adaptó a todos los ecosistemas, desde los más gélidos de los polos a los más tórridos de los trópicos, en el suelo, en el sub-suelo, en el aire y fuera de nuestro Planeta, en las naves espaciales y en la Luna.

Finalmente, el quinto acto es el planetario: la humanidad que estaba dispersa, está volviendo a la Casa Común, al planeta Tierra. Se descubre como humanidad, con el mismo origen y el mismo destino de todos los demás seres. Se siente como la mente consciente de la Tierra, un sujeto colectivo, más allá de las culturas singulares y de los estados-naciones. A través de los medios de comunicación globales, de la interdependencia de todos con todos, se está inaugurando una nueva fase de su evolución, la fase planetaria. A partir de ahora la historia será la historia de la especie homo, de la humanidad unificada e interconectada con todo y con todos.

         Sólo podemos entender al ser humano-Tierra si lo conectamos con todo ese proceso universal; en él los elementos materiales y las energías sutiles conspiraron para que él lentamente fuera gestado y, finalmente, pudiese nacer.      

¿Pero qué significa concretamente, más allá de nuestra ancestralidad, nuestra dimensión-Tierra?

Significa, en primer lugar, que somos parte y parcela de la Tierra. Somos producto de su actividad evolutiva. Tenemos en el cuerpo, en la sangre, en el corazón, en la mente y en el espíritu elementos-Tierra. De esta constatación resulta la consciencia de profunda unidad e identificación con la Tierra y con su inmensa diversidad. No podemos caer en la ilusión racionalista y objetivista de situarnos delante de la Tierra como delante de un objeto extraño o como sus amos y señores. En un primer momento hay una relación sin distancia, sin vis-a-vis, sin separación. Somos uno con ella.        

         En un segundo momento, podemos pensar la Tierra, distanciarnos de ella para verla mejor e intervenir en ella. Y entonces sí, nos distinguimos de ella para poder estudiarla y poder actuar en ella más acertadamente. Ese distanciamento no rompe nuestro cordón umbilical con ella. Por tanto, este segundo momento no invalida el primero.      

Haber olvidado nuestra unión con la Tierra fue el error del racionalismo en todas sus formas de expresión. Él generó la ruptura con la Madre-Tierra. Dio origen al antropocentrismo, en la ilusión de que, por el hecho de poder pensar la Tierra e intervenir en sus ciclos, podíamos colocarmos sobre ella para dominarla y para disponer de ella a nuestro antojo. Aquí reside la raiz de la actual crisis ecológica.

         Por sentirnos hijos e hijas de la Tierra, porque somos la propia Tierra pensante y amante, la vivimos como Madre. Ella es un principio generativo. Representa lo Femenino que concibe, gesta, y da a luz. Emerge así el arquetipo de la Tierra como Gran Madre, Pachamama, Tonantzin, Nana y Gaia. De la misma forma que genera todo y reproduce la vida, ella también acoge todo y lo recoge en su seno. Al morir, volvemos a la Madre Tierra. Regresamos a su útero generoso y fecundo. 

         Sentir que somos Tierra nos hace tener los pies en el suelo. Hace que percibamos todo de la Tierra, su frío y su calor, su fuerza que amenaza así como su belleza que encanta. Sentir la lluvia en la piel, la brisa que refresca, el huracán que avasalla. Sentir la respiración que entra en nosotros, los olores que nos embriagan o nos molestan. Sentir la Tierra es sentir sus nichos ecológicos, captar el espíritu de cada lugar (spiritus loci). Ser Tierra es sentirse habitante de cierta porción de tierra. Habitando, nos hacemos en cierta manera limitados a un lugar, a una geografía, a un tipo de clima, de régimen de lluvias y vientos, a una manera de vivir, de trabajar y de hacer historia. Configura nuestro enraizamiento.

Pero también significa nuestra base firme, nuestro punto de contemplación del Todo, nuestra plataforma para poder alzar el vuelo más allá de este paisaje y de este pedazo de Tierra, rumbo al Todo infinito.

         Por último, sentirse Tierra es percibirse dentro de una comunidad compleja junto con otros hijos e hijas de la Tierra. La Tierra no produce solo seres humanos. Produce una miríada de micro-organismos que componen el 90% de toda la red de la vida, los insectos que constituyen la biomasa más importante de la biodiversidad. Produce las aguas, la capa verde con la infinita diversidad de plantas, flores y frutos. Produce la diversidad incontable de seres vivos, animales, pájaros y peces, nuestros compañeros dentro de la unidad sagrada de la vida porque en todos están presentes los veinte aminoácidos y las cuatro bases nitrogenadas que entran en la composición de cada vida. Produce para todos las condiciones de subsistencia, de evolución y de alimentación, en el suelo, en el subsuelo y en el aire. Sentirse Tierra es sumergirse en la comunidad terrenal, en el mundo de los hermanos y de las hermanas, todos hijos e hijas de la grande y generosa Madre Tierra, nuestro Hogar común.

         Estos son los sentimientos de pertenencia que alimentamos en este día de la Madre Tierra.

*Leonardo Boff ha escrito El principio Tierra. La vuelta a la Tierra como matria y patria común, Vozes 1995: Opción Tierra. Record, RJ 2009/ Trotta 2010.

Faktoren der Systemkrise: Erosion der Ethik und Erstickung der Spiritualität

Leonardo Boff

Hinter der gegenwärtigen Systemkrise steht sicherlich ein Faktorenkomplex: Sie hat den gesamten Planeten erfasst und uns in eine Zwickmühle gebracht: Entweder wir folgen dem Weg, den die Moderne seit dem 17./18. Jahrhundert mit dem Aufkommen des wissenschaftlichen Geistes eingeschlagen hat, der das Gesicht der Erde verändert und uns unzählige Vorteile für das Leben gebracht hat. Gehen wir noch weiter: Die Art und Weise, wie wir uns entschieden haben, den Planeten zu bevölkern und unsere Gesellschaften zu organisieren, hat uns mit großen Kosten für die Ökosysteme und brutal ungleichen sozialen Beziehungen an die Grenzen der Erde geführt. Wenn wir diesen Weg weitergehen, liegt ein erschreckender Abgrund vor uns. Die lebendige Erde will uns vielleicht nicht mehr auf ihrer Oberfläche haben, weil wir zu gewalttätig und zerstörerisch sind. Wir könnten dem Anthropozän, dem Nekrezän, dem Viruszän und schließlich dem Pyrozän erliegen, verursacht durch uns selbst und auch durch die Reaktion der lebendigen Erde selbst, die verwundet und vital geschwächt ist und auf diese Weise reagiert.

Oder aber die Menschen machen in einem Moment des akuten Bewusstseins über das mögliche Verschwinden der Spezies einen Quantensprung in ihrem Bewusstsein, kommen zur Besinnung, erkennen, dass sie wirklich das Ende ihres planetarischen Abenteuers erreichen können und ändern mit Nachdruck ihren Kurs und schlagen einen neuen Weg ein.

Es wird sicherlich nicht ohne eine phänomenale Krise geschehen, die erhebliche Teile der Menschheit mit sich reißen könnte, angefangen bei den Schwächsten, aber auch ohne die am besten Ausgestatteten zu verschonen, wie es in der Urzeit des Planeten geschah, als bis zu 70 % der biologischen Vielfalt für immer verschwanden.

Welche Richtung wird sie einschlagen? Ich glaube nicht, dass irgendwelche Weisen, Wissenschaftler oder spirituellen Meister in der Lage sein werden, den Weg zu weisen. Die Menschheit, die jetzt eher durch Angst und Furcht als durch Liebe zur Zukunft geeint ist, wird erkennen, dass sie vielleicht am Ende des Weges angekommen ist. Sie wird sich umsehen und einen Weg entdecken, der von allen beschritten und gebaut werden kann. “Caminante, no hay camino, se hace camino al andar” (Der du gehst, es gibt keinen Weg, der Weg wird durch Gehen gemacht), lehrte uns ein verzweifelter spanischer Dichter auf der Flucht vor der franquistischen Verfolgung, und aus dem Inneren unseres menschlichen Wesens müssen wir die Inspirationen und Träume schöpfen, die unseren neuen Weg festigen werden, denn es gilt Einsteins Satz: Die Idee, die die gegenwärtige Krise verursacht hat, kann nicht dieselbe sein, die uns aus ihr herausführen wird. Wir müssen träumen, schaffen, tragfähige Utopien entwerfen und neue Wege eröffnen. Die Lebenswissenschaften haben bestätigt, dass wir Wesen der Liebe, der Solidarität und der Fürsorge sind, auch wenn uns immer ein Schatten begleitet, den wir im Auge behalten müssen.

Doch fragen wir uns zunächst: Warum haben wir diesen globalen kritischen Punkt erreicht? Hier kommt dem Philosophieren mehr als nur wissenschaftliche Erkenntnis zu Hilfe.

Neben anderen Ursachen halte ich zwei für grundlegend: die Erosion der Ethik und das Ersticken der Spiritualität.

Werfen wir einen Blick auf die klassische griechische Bedeutung von Ethos, wie sie uns auch heute noch erhellt. Ethos in Großbuchstaben bedeutet das Haus des Menschen. Mit anderen Worten: Wir trennen einen Teil der Natur ab und bearbeiten ihn so, dass er zu einem Raum wird, in dem wir gut leben können. Die andere Form ist ethos in Kleinbuchstaben, d. h. die Art und Weise, wie wir das Haus so einrichten, dass wir uns darin wohlfühlen und denen, die uns besuchen, Gastfreundschaft bieten können: das Wohnzimmer schmücken, den Tisch richtig decken, die Küche pflegen, das Feuer immer brennen lassen, die Vorratskammer auffüllen und die Schlafzimmer ordentlich aufräumen – das sind die ethischen Tugenden, die dem Ethos eine konkrete Form geben. Aber das ist noch nicht alles: Zum Ethos gehört auch die Pflege der Umgebung des Hauses, des Gartens und der Statuen der Gottheiten. Nur so nimmt das Ethos (gut leben) eine konkrete Form an (Ethos).

Das heutige Ethos ist die gemeinsame Heimat, der Planet Erde. Jahrhundertelang hat er die Menschheit ernährt. Doch mit dem Aufkommen von Wissenschaft und Technologie haben wir ihre Güter und Dienstleistungen in einer so unbegrenzten und unverantwortlichen Weise ausgebeutet, dass wir heute ihre Tragfähigkeit überschritten haben (The Earth Overshoot). Sie ist endlich und kann das moderne Projekt des unendlichen Wachstums nicht tragen. Das Ethos (gut leben im Haus) und die Art und Weise, es zu organisieren, haben alles zerstört, was für ein gutes Leben wichtig ist: Wir haben das Wasser verschmutzt, die Lebensmittel mit Pestiziden überfrachtet, die Böden vergiftet, die Luft so stark kontaminiert, dass das natürliche Lebenssystem und das menschliche Leben beeinträchtigt werden. Wir sind Zeugen einer allgemeinen Erosion von Ethos, Ethos und Ethik. Das Gemeinsame Haus ist nicht mehr gemeinschaftlich, sondern wird von Eliten in Besitz genommen, die Land, Macht und Geld besitzen und die Politik der Welt kontrollieren. Sie sind der Satan der Erde geworden.

Ebenso gravierend wie die Erosion von Ethos, ethos und Ethik im Allgemeinen ist die Unterdrückung der menschlichen Spiritualität. Um es klar zu sagen: Spiritualität ist nicht gleichbedeutend mit Religiosität, obwohl Religiosität die Spiritualität verstärken kann. Spiritualität entspringt einer anderen Quelle: aus den Tiefen des Menschen. Spiritualität ist ein wesentlicher Teil des menschlichen Wesens, wie Körperlichkeit, Psyche, Intelligenz, Wille und Affektivität.

Neurolinguisten, die neuen Biologen und herausragende Kosmologen wie Brian Swimm, Bohm und andere erkennen an, dass Spiritualität zum Wesen des Menschen gehört. Wir sind von Natur aus spirituelle Wesen, auch wenn wir nicht ausdrücklich religiös sind. Dieser spirituelle Teil in uns offenbart sich in unserer Fähigkeit zu Solidarität, Kooperation, Mitgefühl, Gemeinschaft und völliger Offenheit für andere, für die Natur, für das Universum, mit einem Wort: für das Unendliche. Die Spiritualität lässt den Menschen erkennen, dass hinter allen Dingen eine mächtige und liebevolle Energie steht, die alles erhält und es im Prozess der Evolution für neue Formen offenhält. Einige Neurologen haben ein außergewöhnliches Phänomen festgestellt. Wann immer man sich dem Heiligen existenziell nähert, tritt in einem Teil des Gehirns mit einer starken Beschleunigung der Neuronen die Erfahrung der Zugehörigkeit zu einem größeren Ganzen auf. Sie, nicht die Theologen, nannten dies den “Gottesfleck im Gehirn”. So wie wir äußere Organe haben, durch die wir die uns umgebende Realität wahrnehmen, haben wir ein inneres Organ, das unser evolutionärer Vorteil ist, um jenes Wesen wahrzunehmen, das alle Wesen sein lässt, jene geheimnisvolle Energie, die alle Wesen durchdringt und sie belebt.Diese Spirituele Dimension wurde von unsere materialistische Kultur erstickt. Sie bewertet mehr das Geld als die Natur, der Individualismus als die Kooperation. Sie benutzt mehr die Gewalt als der Dialog, um die Konflikte zu lösen. Sie kann eventuel tödliche Waffen, benutzen, um ihre Interesse zu bewahren.

Heute könnte die Verfinsterung der Ethik und die Verleugnung der menschlichen Spiritualität zu dramatischen Situationen führen. Dabei wäre das tragische Aussterben der Spezies Homo nach einigen Millionen Jahren nicht auszuschließen, der geliebt und genährt wurde von der Magna Mater, die wir nicht mit Sorgfalt, Ehrfurcht und Liebe zu erwidern wussten.

Wir müssen auch nicht verzweifeln. Das Universum hält Überraschungen bereit, und der Mensch ist ein unendliches Projekt, das in der Lage ist, Lösungen für die Fehler zu finden, die es gemacht hat.

Leonardo Boff schrieb zusammen mit Mark Hathaway das Buch Das Tao der Befreiung: eine Ökologie der Transformation in mehreren Sprachen (Vozes 2010), das in den USA die Goldmedaille für Wissenschaft und neue Kosmologie gewann.