A briga na procissão da via-sacra

Sexta-feira Santa é dia de seriedade pela morte de Jesus na cruz. Sábado Santo, antigamente chamado de Sabado de Aleluia, é dia de alegria antecipando o clarão da Ressurreição no Domingo de Páscoa. Neste espírito – para rir mesmo – publico esse cordel que me foi dado por um pastor envangélico do Sul da Bahia, cujo nome esqueci. Ele o sabia de cor e me fez rir a mais não poder. O autor do cordel é Chico Pedrosa. Bom proveito lb

Quando Palmeiras das Antas
Pertencia ao Capitão
Justino Bento da Cruz
Não faltava diversão,
Vaquejada, cantoria,
Procissão e romaria:
Sexta-Feira da Paixão.

Na quinta-feira maior,
Dona Maria das Dores
No salão paroquial
Reunia os moradores
E após uma preleção
Ao lado do Capitão
Escalava a seleção
De atrizes e de atores.

O papel de cada um
O Capitão escolhia.
A roupa e a maquiagem
Eram com Dona Maria.
E o resto era disccutido,
Aprovado e resolvido
Na sala da sacristia.

Todo ano era um Jesus,
Um Caifás e um Pilatos.
Só não mudava a Cruz
E o verdugo e os maus tratos.
O Cristo daquele ano
Foi o Quincas Beija Flor,
Caifás foi Cipriano
E Pilatos, Nicanor.

Duas cordas paralelas
Separavam a multidão,
Pra que pudesse entre eles
Caminhar a procissão.
O Cristo carregando a cruz,
Foi não foi, advertia
O centurão perverso
Que com força lhe batia.

Era pra bater maneiro
Mas ele não entendia
Devido ao grande pifão
Que tomou naquele dia
Do vinho que o capelão
Guardava na sacristia.
E o Cristo dizia:
“Oh, rapaz vê se bate devagar”.

“Já to todo encalombado,
Assim não vou agüentar,
Ta com gota pra doer.
Ou tu pára de bater
Ou a gente vai brigar.
Jogo já esta cruz fora,
To ficando revoltado,
Vou morrer antes da hora
De morrer crucificado”?

Mas o pior que o malvado
Fingia que não ouvia,
Alem de bater com força
Ainda se divertia.
Espiava pra Jesus
Carregando aquela cruz,
Fazia pouco e dizia:
“Que Cristo frouxo é você
Que chora na procissão”?

E Jesus, pelo que se sabe,
Não era mole assim não.
“Eu to é com pena,
Tu vai ver o que é bom
É na subida da ladeira
Da venda de Fenelon
Que o couro vai ser dobrado
Até chegar no mercado
A cuíca muda o tom”.

Neste momento ouviu-se
Um grito na multidão.
Era Quincas que com raiva
Sacudiu a cruz no chão
E partiu feito maluco
Pra cima do Bastião.
Se travaram no tabefe
Pontapé e cabeçada.
Madalena levou pancada,

Deram um bofete em Caifás
Que até hoje não faz
Nem sente gosto de nada.
Desmancharam a procissão
O cacete foi pesado.
São Tomé levou um tranco
Que ficou desacordado.
Acertaram um cocorote
Na careca do Timote

Que até hoje está aluado.
Até mesmo São José
Que não é de confusão,
Na ânsia de defender
O filho de criação,
Aproveitou a guararapa
Pra dar um monte de tapa
Na cara do bom ladrão.

A briga só terminou
Quando o doutor
Delegado
Interveio e separou:
Cada um pro seu lado!
Desde que o mundo se fez
Foi esta a primeira vez
Que o Cristo foi pro xadrez
Mas não foi crucificado.

15 comentários sobre “A briga na procissão da via-sacra

  1. pense numa coisa engraçada parabens a leonardo pelas suas teorio do evangelho da libertação

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  2. Grande Boff… A Cada dia que passa adimiro mais o Ser Humano que é vc! Tenho 20 anos de idade, mas minha caminhada na Pastoral da Juventude do Meio Popular tem me dado acesso a uma parcela de tua obra, A Qual eu adimio muito.
    Quando entrei no seu twitter, que vi o titulo “Briga na Via Sacra” imaginei: “Não pode ser a de Chico Pedrosa” e num é que é?!
    Vc prova mais uma vez que não carrega em vão esse anel (não que tenha que provar), ao mostrar que não só de Filosofia, Teologia, e teses complexas vive o Homem, mas sim de cordel, causos e cantorias…

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  3. Muito Bom

    Isto mostra a nossa grande falha em manter um espírito Cristão em tudo que fazemos em nome de Deus, não apenas o ocorrido, caso tenha sido inspirado em um fato verídico, também aquele que fez um cordel desencantado fazendo graça com o fato, depois um pastor passou a divulgar o texto como crítica do evento em si e agora na sequência se continua divulgando algo que deveria ser vergonhoso como apenas mais uma piadinha comum.

    Nada de mais, mas não deixa de ser um equivoco de todos, inclusive meu.

    Q Deus nos abençoe.

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  4. “Perdoai-os, Pai, pois não sabem o que fazem!”. Bem se vê que o cara que fez esse cordel não entende de catolicismo e acho que nem da história de Cristo, pois quando Jesus foi crucificado São José já havia falecido há muito tempo. Pra mim ficou claro a intenção de fazer chacota com a religiosidade popular ainda mais na semana santa.

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  5. Não achei um pingo de graça. O Leonardo Boff,
    gosta mesmo é de chamar a atenção pra ele mesmo. Usou e abusou certamente da Igreja. Certemente o grau em que chegou em termos de estudos teológicos ele deve à Igreja que um dia o acolheu. Só que hoje ele cospe no prato que comeu. Quanto ódio ele tem dentro de si mesmo. Que pena!

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    • O cristianismo não é feito apenas de cruz e de tristeza. Mas também de alegria e jovialidade. Infeliz daquele que perdeu a capacidade de humor e de sorrir.

      O cordel pertence ao gênero literatura popular. Na mentalidade o povo o tempo cronológico não conta. Basta ver os cordelistas nortesdinos que combinam Moisés com João Batista, o faraó com Herodes, como se vivessem no mesmo tempo. É o tempo mítico onde tudo ocorre ao mesmo tempo.

      Se vc tivesse humor não teria caido nesta atitude anticristã de insultar o outro, no caso a mim. O insulto é pior que o relato chistoso do cordel, de si, hilário, para fazer rir mesmo, sem desrespeitar as figuras sagradas.

      Não faça da reigião uma coisa triste, ausente de espírito da ressurreição que é de alegria.
      Nunca perca a capacidade de sorrir, de relativizar até as coisas mais sérias. Faz bem à saúde e ajuda a evitar até o cancer.

      Passar bem.

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  6. No meu trabalho, com pacientes terminais no hospital do câncer , quase diariamente vejo morrerem pessoas de todas as faixas etárias. Não tenho nenhuma fobia contra o câncer ou contra qualquer outra patologia. Nem tampouco acredito que o tratamento convencional deva ser substituído por cordéis ou piadas. E, pelo que se sabe ainda não descobriram nenhum tipo de homem na face da terra que seja imune a todas as doenças.
    Agora, que esses homens que tem curso superior, título de doutor e que sabe escrever bem, deveria se ocupar com coisas mais interessantes, isso sim, eu concordo e acho que contribuiria muito mais para uma boa literatura, ao invés desses gracejos que muito mais tem a função de reforçar a divisão e o deboche de uma religião contra a outra.

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    • Olá Leonardo!
      Acho o causo maravilhoso!
      De uma criatividade incrível. Já tinha ouvido esse causo a muito tempo por um amigo e contador de causos. Sou Pr Evangélico e não vejo mal nenhum nisso. Até porque vejo pessoas que só lembram de Jesus nessas datas especiais e esquecem de vive-lo no dia a dia. Mas creio que ao ouvir esse causo até Jesus sorria. Um grande abraço, Deus te abençoe sempre!

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  7. Olá, achei simples e de grandeza. Também faço cordéis e seio quanto isto representa para a nossa gente simples. Nós nordestinos temos isto na veia. Eu como católico sei também do valor, do valor simples da cultura e religiosidade popular. Como educador sei da riqueza de aprendizado que faz um cordel, e sei da riqueza de um cordel por conseguir criar ou contar um fato totalmente com suas palavras rimadas e metrificadas e com sentido.Que pena que só pude conhecer este hoje.

    Agnério

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  8. Olá Leonardo,

    Não vou me estender muito, na verdade estava pesquisando o texto Jesus no Xadrez pois queria anima-lo em stop motion, mas diante de alguns comentários estafúrdios e equívocados não posso me furtar de falar da inocência, pureza e humor ímpar deste texto. Simplesmente genial.
    Abração.

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