Lineide Duarte-Plon é uma conhecida jornalista brasileira vivendo em Paris. Seus artigos, sempre muito argutos e com um olhar mais distantanciado dos interesses locais e por isso mais objetivo, com frequência escreve sobre a situação do Brasil e do mundo e seus artigos aparecem também aqui, geralmente na Carta Maior. Publicamos aqui o artigo dela pois nos oferece as opiniões dos jornalistas franceses sobre as eleições em nosso pais, nada positivas e muito críticas: Lboff
Carta de Paris: Servidão voluntária ou como se submeter à tirania pelo voto
“O pesadelo se tornou realidade. O maior país da América Latina elegeu um presidente de extrema-direita”, escreveu Libération.
Por Leneide Duarte-Plon
01/11/2018 11:15
Somente os brasileiros que desconhecem a História e o que foi a ditadura militar podem entregar o destino do país aos militares pelo voto, acreditando que não houve ditadura, mas um “movimento”, que inaugurou uma época de ouro em que havia segurança e não existia corrupção.
No dia 28 de outubro, parte do povo brasileiro realizou voluntária e entusiasticamente a previsão do filósofo político e historiador Alexis de Tocqueville em seu livro “De la démocratie en Amérique”, de 1835:
“Sempre acreditei que esta espécie de servidão, regulada, doce e sem guerras (…) poderia se combinar melhor do que imaginamos com algumas formas exteriores da liberdade, e que seria impossível de ser estabelecida até mesmo sob a sombra da soberania do povo. Nossos contemporâneos são frequentemente perturbados por duas paixões contraditórias: sentem necessidade de ser conduzidos e desejo de continuar livres. Não podendo destruir nem um nem outro desses desejos contraditórios, eles se esforçam por satisfazê-los ao mesmo tempo. Imaginam um poder único, tutelar, todo-poderoso, mas eleito pelos cidadãos. Combinam, assim, a centralização e a soberania do povo. Isto lhes satisfaz. Eles se consolam de estar tutelados, pensando que escolheram, eles mesmos, seus tutores”.
Este texto escrito no século XIX é impressionante. Estamos vendo se desenhar no Brasil de hoje essa tutela militar através das urnas. Um povo indo para o abismo, festejando-o como uma vitória, pois ele mesmo escolheu seus tutores e a servidão que se instalará, sobretudo para os mais frágeis.
O capitão do ódio
Os jornais franceses não mediram palavras para falar da “Fulgurante ascensão do capitão do ódio”, como o “Libération” de 30 de outubro, cujo texto principal começa dizendo: “O pesadelo se tornou realidade. O maior país da América Latina elegeu por quatro anos um presidente de extrema-direita, que nunca procurou adocicar seu discurso de ódio e de exclusão contra os militantes de esquerda, os negros, as mulheres ou a comunidade LGBT”.
“Um ilusionista sem escrúpulos” escreveu Nicolas Bourcier, no jornal “Le Monde”. Ele diz em seu texto:
“Por muito tempo, o futuro presidente brasileiro não foi levado a sério, comparado mesmo a um gaiato de frases nauseabundas e nostálgico de um período ditatorial (1964-1985) que se acreditava apagado da memória”.
Bourcier continua:
“Enquanto os discursos anticomunistas dos militares brasileiros autores do golpe de Estado eram feitos, a seus olhos, em nome da democracia, o discurso bolsonarista é feito hoje em nome da ditadura. Um deslize semântico que traz em si mesmo a semente de tensões incalculáveis”.
No Libération de 30 de outubro, o jornalista François-Xavier Gomez escreveu que no dia 1° de janeiro, em Brasília, Jair Bolsonaro vai receber das mãos de Michel Temer a faixa presidencial. “Triste transferência de poder entre um deputado traidor que comandou o complô para afastar a presidente Dilma Rousseff e um extremista que exibe um ‘real desprezo pelas regras democráticas’, como definiu o cientista político Frédéric Louault”.
Um dos artífices da campanha do capitão – que instalará no Brasil um laboratório mundial de governo autoritário ultra-neoliberal e excludente – o americano Steve Bannon, saudou a vitória de Jair Bolsonaro, que ele ajudou a eleger com sua experiência em disseminar fake news pelas redes sociais através de técnicas de captação de grupos. Prática completamente ilegal pois financiada por caixa 2 pago por empresários, que se sabiam cobertos pela justiça eleitoral conivente. Bannon foi o homem decisivo na eleição de Trump, através de sua empresa Cambridge Analytica.
Segundo o jornal francês “L’Humanité”, Bannon comemorou: “Numa parte do mundo onde existe um socialismo radical, caos na Venezuela, crise econômica, com o FMI que decide na Argentina, Bolsonaro representa o caminho de um capitalismo esclarecido e será um governo populista nacionalista”. Nacionalista? O que isso quer dizer na boca de Bannon? Defendendo os interesses dos EUA?
Muito ativo na Europa, Bannon quer formar a frente anti-União Europeia dos eurocéticos nacionalistas, a começar por Marine Le Pen e Matteo Salvini, com quem mantém contatos frequentes. Atribuem a ele a vitória do Brexit, uma das formas que os Estados Unidos usaram para implodir a União Europeia, que querem ver totalmente dependente tanto militar quanto economicamente.
O inimigo interno
Antes mesmo de tomar posse, o novo presidente do Brasil, que o jornalista Eric Nepomuceno chama de “troglodita desequilibrado”, começou a enviar mensagens de vídeo anunciando que vai limpar o Brasil dos “vermelhos”, dos “comunistas”, dos “petralhas”, isto é, dos que ele considera como indesejáveis: os brasileiros de esquerda.
Durante a ditadura, essas pessoas eram apontadas e combatidas como “subversivas”.
Os militares brasileiros importaram o conceito que os franceses definiram como “inimigo interno”, durante a Guerra da Argélia. Para os franceses e seu teórico Roger Trinquier (no livro “La guerre moderne”), o “inimigo interno” eram os que lutavam pela independência da Argélia. Para os militares brasileiros, todos os que combatiam a ditadura.
Em discurso proferido em Caracas, quando comandante do Estado Maior do Exército, em 1973, o general Breno Borges Fortes deixou claro quem os militares viam como “inimigo interno”:
“Ele se disfarça de sacerdote ou professor, de aluno ou de camponês, de vigilante defensor da democracia ou de intelectual avançado, de piedoso ou de extremado protestante; vai ao campo, às escolas, às fábricas e às igrejas, à cátedra e à magistratura; usará, se necessário, o uniforme ou o traje civil; enfim, desempenhará qualquer papel que considerar conveniente para enganar, mentir e conquistar a boa fé dos povos ocidentais. Daí porque a preocupação dos Exércitos em termos de segurança interna frente ao inimigo principal: este inimigo para o Brasil continua sendo a subversão provocada e alimentada pelo movimento comunista internacional” (Jornal da Tarde de 10 de setembro de 1973, citado no meu livro “A tortura como arma de guerra, da Argélia ao Brasil”).
As principais vítimas da ditadura eram, pois, membros do Partido Comunista, de partidos de esquerda e até mesmo teólogos da Libertação, além de intelectuais e artistas.
O Brasil foi também um modelo do exercício do poder controlado pelos militares. Todos os postos importantes eram ocupados por oficiais das Forças Armadas, com a missão de fazer grandes obras públicas. Eles controlavam toda a vida política e econômica.
Em 2019, eles terão a missão de garantir a entrega de todas as empresas do Estado, muitas vezes de interesse estratégico, a grandes grupos estrangeiros.
Em suma, o governo “nacionalista” de que falou Bannon.
Querido Boff, a pouco tempo voltei a reler livros seus, pois há longos anos o acompanho e rezo por ti. Vi recentemente comentários do Ciro e suas resposta numa postura ética, sábia e humilde. Digo-lhe, os filhos das trevas não o atinge. Estais blindado com a couraça da fé e da proteção do Altíssimo. Vi também comentários na rede de alguns que falavam impropérios sobre sua pessoa, são os lúmpens da vida moderna. Você está muito acima, orando por eles, inclusive. Yahweh o Abençoe e o guarde para todo o Sempre.
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Antonio, suas palavras me confortam e te agradeço. Faço o que penso ser meu serviço à justiça aos pobres e desamparados.lboff
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Republicou isso em Zefacilitador.
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Caro LB
Voltamos à pergunta : somos civilizados ?
Abraços
Ps.: gostei da elegância de tua resposta a Ciro, exemplar.
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[…] Fonte: Servidão voluntária ou como se submeter à tirania pelo voto | Leonardo Boff […]
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[…] Fonte: leonardoboff.wordpress.com […]
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Estamos, finalmente, voltando à tempos bárbaros e negros de nossa história brasileira, e isso, infelizmente, com a ajuda dos brasileiros.
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Antes de mais nada é preciso deixar o homem tomar posse e colocar em prática o que planejou. Para mim até que ele prove o contrário ele fará o que seus eleitores esperam. Creio que não há fundamento nas críticas aqui descritas se não temos nada de concreto em relação à administração do presidente eleito. O povo o elegeu muito mais pela decepção em relação à administração esquerdista e radical, que pegou um país economicamente estável e o assaltou e quebrou a maior empesa do país, arrasou na corrupção, enriquecendo seus líderes e sacrificando aqueles que sempre carregaram o país nas costas, a classe trabalhadora desvalorizada e a volta do desemprego. Quem elegeu Bolsonaro classe injustiçada e desvalorizada pela esquerda. Eu penso que não importa a ideologia mas o poder deve ser transitório, chega de partidos que perpetuam no poder por anos e anos. Governantes partidaristas que perpetuam no poder, ferem a democracia, se acostumam com o poder e começam achar que são donos do país e aí acontece as falcatruas, os desvios, os desmandos. Se Bolsonaro não fizer uma boa administração o povo que o elegeu será o mesmo que o destituirá. Isso sim é democracia. Torci muito pela esquerda mas hoje a quero cada vez mais distante de meu país.
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Apenas recortes de jornais. Copy and Paste. A maioria decidiu e basta! Bem vinda a alternância!
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