Em fim descubrimos o planeta Terra

                                     Leonardo Boff

Um dos efeitos positivos da intrusão co Covid-19 foi a descoberta do planeta Terra por toda a humanidade. Demo-nos forçosamente conta de que vigora uma íntima conexão entre a vida humana, a natureza e o planeta Terra. O vírus não caiu do céu. Ele veio como contra-ataque da Terra, tida como super-sistema vivo  que sempre se cria, autocria e se organiza para manter-se vivo e produzir todo tipo de vida existente neste planeta. Particularmente o quintilhões de quintilhão de micro-organismos que existem nos solos e mesmo em nosso própro corpo, verdadeira galáxia (Antônio Nobre) habitada por um número incalculável de vírus, bactéras,  fungos e outros micro-organismos.

O contexto do vírus, quase nunca citado pelos analistas das redes de comunicação, é o sistema capitalista anti-natereza e antivida. Ele fez com que o vírus perdesse seu habitat e avançasse sobre nós. Esse sistema de produção e de consumo impiedosamente assalta a natureza, depreda seus bens e serviços e destrói o equilíbrio da Terra.

Esta  nos responde com o aquecimento global, erosão da biodiversidade, a escassez de água potável e outros eventos extremos. Todos de alguma forma participamos deste ecocídio, mas os atores principais – é forçoso dizê-lo e denunciá-lo – são o sistema do capital e a cultura do consumo desbragado, especialmente os milionários com seu consumo suntuoso. Portanto, tiremos a culpa de cima da humanidade pobre que minimamente colabora e de forma como vitima do referido sistema.

O ser humano, sempre curioso por saber mais e mais, fez descobertas sem número: de novas terras como as Américas, de povos, culturas, todo tipo de aparatos desde o arado até o robot, o sub-mundo da matéria, os átomos,  toquarks e o campo Higgs, o íntimo da vida, o código genético. E não param as descobertas.

Mas quem descobriu a Terra? Foi preciso que enviássemos astronautas para fora da Terra ou ir até  à Lua para de lá ver a Terra de fora da Terra e finalmente, maravilhados, descobrir a Terra, nossa Casa  Comum. Frank White escreveu um livro The Overview Effect (tenho um livro autogrado por ele de 5/29/1989) no qual recolhe os testemunhos dos astronautas emocionados até às lágrimas.

O astronauta Russel Scheickhart  nos revela:” Vista a partir de fora, a Terra parece tão pequena e frágil, uma pequenina mancha preciosa que você pode cobrir com seu polegar.Tudo o que significa alguma coisa para você, toda a história, arte, o nascimento e a morte, o amor,  a alegria e as lágrimas, tudo está naquele ponto azul e branco que você  pode cobrir com seu polegar. E a partir daquela perspectiva você entende que tudo mudou… que a relação não é mais a mesma como fora antes”(White,p.200).

Eugene Cernan confessou:”Eu fui  o último homem a pisar na Lua em dezembro de 1972. Da superfície lunar olhava com um tremor reverencial para a Terra, num transfundo muito escuro.  O que eu via era demasiadamente belo para ser apreendido, demasiadamente ordenado e cheio de propósito para ser um mero acidente cósmico. A gente se sentira interiormente obrigado a louvar a Deus. Deus deve existir por  ter criado aquilo que eu tinha o privilégio de contemplar. Espontaneamente  surgem a veneração e a ação de graças. É para isso que existe o universo”(White p. 205).

De forma acertada  comenta Joseph P. Allen:”Discutiu-se muito os prós e contras das viagens à Lua. Não ouvi ninguém argumentar que devíamos ir à Lua para podermos ver de lá a Terra de fora da Terra. Depois de tudo, esta deve ter sido  seguramente a verdadeira  razão de termos ido à Lua (White, p. 233).

Efetivamente esta é a razão secreta e inconsciente das viagens siderais: descobri a Terra, o terceiro planeta de um sol de quinta categoria, dentro de nossa galáxia. O sistema solar no qual está a nossa Terra dista 27 mil anos-luz do centro da galáxia, a Via Láctea, na face interna do braço espiral de Orion. Esse sistema com a Terra ao redor é um quase nada e nós une quantité négligeable, perto do zero. E contudo é daqui que a Terra através de nós contempla  o inteiro universo, do qual é parte. É através de nossa inteligência que pertence ao próprio universo que ele se pensa a si mesmo.  O que conta em nós não é a quantidade mas a qualidade, única, capaz de pensar, amar o universo e venerar Aquele que permanentemente o sustenta.

Não apenas descobrimos a Terra. Descobrimos que somos Terra, Aquela porção da Terra que pensa, ama e cuida. Por isso ser humano (homo em latim) vem de húmus, terra fértil ou Adão que procede de Adamah, terra fecunda.

A partir de agora nunca sairá de nossa consciência de que temos descoberto, em fim, a Terra, nosso lar cósmico e que somos a parte consciente, inteligente e amorosa dela. Porque somos portadores destas qualidades, nossa missão é cuidar dela como Casa Comum e de todos os demais seres, que nela habitam e que têm a mesma origem que nós, portanto, são nossos parentes.

Se assim é, por que a temos maltratado, superexplorado e estamos destruindo as bases que sustentam nossa vida? Se há uma lição que a Mãe Terra através do Covid-19 nos quer transmitir é seguramente esta:

“Mudem vossa relação para com a natureza e para comigo  se quiserdes que eu continue a vos oferecer tudo o que precisais para viver na sobriedade compartida, na fraternidade e sororidade universais e no cuidado amoroso para com todos vossos irmãos e irmãs da grande comunidade de vida, também meus filhos e filhas bem-amados. Em tempos muito antigos eu  vos propus “a vida e a morte, a bênção e a maldição. Escolhei  vida para que vivais com toda  a vossa descendência. Essa promessa eu sempre manterei”(Deut 30,28).

Escolhamos a vida. É o apelo da Mãe Terra. É o desígnio do Criador.

Leonardo Boff é ecoteólogo e escreveu O Covid-19: o contra-ataque da Mãe Terra contra a humanidade, Vozes,2ª.edição 2021.

4 comentários sobre “Em fim descubrimos o planeta Terra

  1. Que aprendamos o mais apressadamente. Obrigado, Sr. Boff por compartilhar seus pensamentos conosco!

    Curtir

  2. O ser humano

    tem um sentido irrefletido

    de adorar.

    E essa espontaneidade de adorar é natural e o ser humano precisa disso.

    O grande problema passa a ser o alvo.

    O mundo nos oferece vários ídolos para serem adorados. Isso, promete ele, o mundo, nos levam ao prazer, ao poder e a riqueza.

    Como não existe meio termo – a César o que é de César e a Deus o que é de Deus – quando adoramos algo ou alguém que não seja Deus, não podemos amá-LO.

    O papa Francisco nos coloca três expressões que nos ajudam a adorar o Senhor:

    a) levantar os olhos;

    b) pôr-se a caminho;

    c) ver.

    Não cabe aqui, nesse pequeno espaço, fazer considerações a cada uma das expressões, mas o certo que ADORAR O SENHOR não se faz de imediato, requer uma caminhada que vai nos amadurecendo.

    E parece-me que nossa Igreja não nos levanta os olhos, não nos põe a caminhar e nem nos mostra ELE e o próximo.

    Concluo, acreditando que já estamos evangelizados, cabe a nós agirmos conforme os ensinamentos Daquele que devemos Adorar, nos dispondo mais tempo à adoração e ao próximo.

    Daí, tiramos algumas reflexões/provocações:

    a) Qual a importância das homilias para Adorar a Deus e o próximo?

    b) Tem sentido o preceito da missa aos domingos se não mudamos?

    c) Nossas celebrações estão vazias, por que?

    d) O que ainda representa para o povo os simbolismos de nossas celebrações?

    e) Até quando os pobres vão ficar nos patamares das Igrejas?

    f) Igreja em saída não seria literalmente sair da igreja de alvenaria?

    g) Por que grande parte dos apoiadores do governo estão nas nossas igreja?

    Abraço, desse aposentado que não tem pressa nem perde tempo.

    Curtir

Deixe um comentário