A ética do Magistrado:J.B.P. Herkenhoff

Hoje assistimos a muitos julgamentos especialmente ligados à corrupção, colocando no banco dos réus grandes empresários e personalidades políticas. Discute-se se há ou não imparcialidade nos julgamentos. Qual a ética que deve orientar um Magistrado? Temos aqui a palavra de um conhecido Magistrado que pode nos orientar nesse debate. É um grande humanista e um defensor incansável dos direitos humanos: LBoff

jbpherkenhoff@gmail.com
www.palestrantededireito.com.br

A palavra ética provém do grego ethos, que significa modo de ser, caráter.

A Ética busca aquilo que é bom para o indivíduo e para a sociedade.

A Ética não brota espontânea. É fruto de um esforço do espírito humano para estabelecer princípios que iluminem a conduta das pessoas, grupos, comunidades, nações, segundo um critério de Bem e de Justiça.

O Bem e a Justiça constituem uma busca.

Um dos mais importantes desdobramentos da Ética refere-se à Ética das profissões. Toda profissão tem sua ética. Vamos citar alguns exemplos. Seja o motorista reservado quanto ao que ouve dentro do carro quando transporta seus clientes. Seja o comerciante ético cobrando o justo preço pelas mercadorias que vende. Seja o profissional da enfermagem ético tratando com respeito o corpo do enfermo. Seja o advogado ético, fiel ao patrocínio dos direitos do seu cliente. Seja o médico ético servindo à vida e procurando minorar o sofrimento humano.

E a magistratura tem uma Ética?

Neste capítulo defendo que o ofício de magistrado deve guiar-se por uma ética e sugiro veredas para a efetivação dessa ética.

A magistratura é mais que uma profissão. A Ética do Magistrado é mais que uma Ética profissional.

A função de magistrado é uma função sagrada. Daí a advertência do Profeta Isaías:

“Estabelecerás juízes e magistrados de todas as tuas portas, para que julguem o povo com retidão de Justiça”.

Somente com o suplemento da Graça Divina pode um ser humano julgar.

A sociedade exige dos magistrados uma conduta exemplarmente ética. Atitudes que podem ser compreendidas, perdoadas ou minimizadas, quando são assumidas pelo cidadão comum, essas mesmas atitudes são absolutamente inaceitáveis quando partem de um magistrado.

Tentarei arrolar alguns princípios que suponho devam orientar a ética do magistrado:

1) A imparcialidade. Nada de proteger ou perseguir quem quer que seja. O juiz é o fiel da balança, a imparcialidade é inerente à função de julgar. Se o juiz de futebol deve ser criterioso ao marcar faltas, ou anular gols, quão mais imparcial deve ser o Juiz de Direito que decide sobre direitos da pessoa.

2) O amor ao trabalho. O ofício do juiz exige dedicação. A preguiça é sempre viciosa, mas até que pode ser tolerada no comum dos mortais. Na magistratura, a preguiça causa muitos danos às partes.

3) A pontualidade, o zelo pelo cumprimento dos prazos. É certo que há um acúmulo muito grande de processos na Justiça. O juiz não é o responsável por esse desacerto mas, no que depende dele, deve esforçar-se para que as causas não contem tempo por quinquênio ou decênio, como verberou Rui Barbosa. Se por qualquer razão ocorre atraso, no início de uma audiência, o juiz tem o dever de justificar-se perante as partes. Não pode achar que é natural deixar os cidadãos plantados numa sala contígua, esperando, esperando, esperando.

4) A urbanidade. O magistrado deve tratar as partes, as testemunhas, os serventuários e funcionários com extrema cortesia. O juiz é um servidor da sociedade, ter boa educação no cotidiano é o mínimo que se pode exigir dele. A prepotência, a arrogância, o autoritarismo são atitudes que deslustram o magistrado.

5) A humildade. A virtude da humildade só engrandece o juiz. Não é pela petulância que o juiz conquista o respeito da comunidade. O juiz é respeitado na medida em que é digno, reto, probo. A toga tem um simbolismo, mas a toga, por si só, de nada vale. Uma toga moralmente manchada envergonha, em vez de enaltecer.

6) O humanismo. O juiz deve ser humano, cordial, fraterno. Deve compreender que a palavra pode mudar a rota de uma vida transviada. Diante do juiz, o cidadão comum sente-se pequeno. O humanismo pode diminuir esse abismo, de modo que o cidadão se sinta pessoa, tão pessoa e ser humano quanto o próprio juiz.

7) Razão e coração. Julgar é um ato de razão, mas é também um ato de coração. O juiz há de ter a arte de unir razão e coração, raciocínio e sentimento, lógica e amor.

8) A função de ser juiz não é um emprego. Julgar é missão, é empréstimo de um poder divino. Tenha o juiz consciência de sua pequenez diante da tarefa que lhe cabe. A rigor, o juiz devia sentenciar de joelhos.

9) As decisões dos juízes devem ser compreendidas pelas partes e pela coletividade. Deve o juiz fugir do vício de utilizar uma linguagem ininteligível. É perfeitamente possível decidir as causas, por mais complexas que sejam, com um linguajar que não roube dos cidadãos o direito, que lhes cabe, de compreender as razões que justificam as decisões judiciais.

10) O juiz deve ser honesto. Jamais o dinheiro pode poluir suas mãos e destruir seu conceito. O juiz desonesto prostitui seu nome e compromete o respeito devido ao conjunto dos magistrados. Peço perdão às pobres prostitutas por usar o verbo prostituir, numa hipótese como esta.

Obs: O autor  é magistrado aposentado (ES), escritor, professor, palestrante. 

16 comentários sobre “A ética do Magistrado:J.B.P. Herkenhoff

  1. Excelente artigo do Magistrado J.B.P. Herkenhoff. Estes são princípios que deveriam nortear todos os que, por dever do ofício de julgar, estão numa posição de decidir sofre o futuro da vida de alguém, quem quer que seja, procurando “buscar o que é bom para o indivíduo e para a sociedade”. O cidadão comum tem na figura do juiz aquele ser todo-poderoso que decidirá seu destino, numa causa trabalhista (onde está em jogo os direitos do(a) trabalhador(a)), nas questões relativas as de família (onde estão em jogo a felicidade do casal e dos possíveis filhos e filhas), em casos contra a integridade da pessoa, do patrimônio, etc. Para ele, este juiz só pode agir pela ética, pelo que é correto. Lhe é inadmissível que haja de outra forma, movido por outros interesses que não seja de “buscar o que é bom para o indivíduo e para a sociedade”. Este simbolismo é muito forte. Por isso, embora no seu íntimo sente que há alguma coisa errada em determinado julgamento, ele duvida que um juiz decida de forma parcial. Se o juiz condenou é porque, no mínimo, o réu fez alguma coisa errada, muito ruim, que merece ser apenado. É este pensamento que tenho encontrado ao conversar com muitas pessoas no que diz respeito ao caso do Lula. Chegam a dizer: “Eu voto nele, se ele se candidatar novamente, mas que ele roubou, fez alguma coisa errada, ele fez…”

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  2. A ÉTICA DE PRINCÍPIOS carece cuidados. Já dizia Vinicius de MORAIS que estava sempre com um pé atrás. O Rei Salomão usou a SABEDORIA para julgar o caso da criança com duas mães. O JUÍZO é para TODOS os filhos do altíssimo. As circunstâncias, também, contam. O SACRILÉGIO precisa constar, pois o que se vê é o desrespeito pela justiça, pela paz e pela verdade. Tentativas de LAVAGEM DAS MÃOS são mais rotineiras que lavagens financeiras. Sobretudo deve-se considerar os SISTEMAS E ESQUEMAS, pois JULGAR a RES PUBLICA sem PODER PUBLICO e discriminatória em classes aristocráticas e plebeias, escravismo, etc.. é ENGANAÇÃO e DEMAGOGIA contra inocentes úteis como QUINTINO BOCAIUVA, JOAQUIM NABUCO e o ex-senador JOAQUIM BEATO.Meu saudoso professor que defendia este sistema escravista onde o negro não CHEGA LÁ…

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  3. Penso que todas as qualidades necessárias a um juiz, são necessárias a toda pessoa e foram sugeridas por Nosso Senhor Jesus Cristo !

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  4. Esses princípios deveriam estar na mesa de cada Juiz/a deste País. Agora mais que nunca!

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  5. Querido Leonardo Boff, coisa boa ver você citando o grande João Baptista Herkenhoff , outro grande homem, de uma dignidade que inspira a gente! Que alimenta nosso espirito! Obrigada! Se vocês ainda não se conhecem pessoalmente, sei seriam grandes amigos! Grande abraço!

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  6. IIves Gandra Martins, magistrado(?) fez um programa com três senhores , na Rede Vida de TV. Só assisti a opinião final. Disseram que os dois últimos governos Lula e Dilma que são os responsáveis pela conjuntura atual do País.

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  7. Na minha opinião há dois problemas no texto de Herkenhoff:

    1) O parágrafo: “A sociedade exige dos magistrados uma conduta exemplarmente ética. Atitudes que podem ser compreendidas, perdoadas ou minimizadas, quando são assumidas pelo cidadão comum, essas mesmas atitudes são absolutamente inaceitáveis quando partem de um magistrado.” Aqui é um erro de dois pesos e duas medidas, quando deveria haver apenas uma: ou se compreende, perdoa ou minimiza, ou não se aceita um conjunto de atitudes, independentemente da posição social da pessoa. O primeiro caso (compreender, perdoar, ou minimizar) pode ser feito para o magistrado também, desde que antes se tome a decisão de afastar (exonerar!) o magistrado do seu cargo. Ou seja, é inaceitável um magistrado continuar no cargo ou se aposentar integralmente tendo cometido crimes, ilegalidades quaisquer no ofício, porém, uma vez destituído do cargo, aplique-se a mesma carga de penas como se fosse uma pessoa qualquer.

    2) Talvez formasse parte da ética do magistrado, ou do sistema jurídico no todo, a propaganda da conciliação como esforço inicial a ser feito antes da judicialização dos problemas. Infelizmente, muitos tomam o caminho do fórum ou da delegacia antes de tentar uma conciliação ou um pacto, acordo, trato, etc. sobre uma questão, o que gera mais papel, demanda, com toda a burocracia e gasto de tempo de juízes, advogados e outros funcionários. Deixamos de ser pessoas resolvendo situações “na bala”, “na porrada”, para resolver “no tribunal”, “com o juiz”, situações que muitas vezes poderiam ser conciliadas facilmente. Os magistrados e demais funcionários públicos deveriam alertar a população para a possibilidade de chegar a um acordo sem precisar passar por julgamentos!

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    • No Post em Observatório da Evangelização: CNBB em busca de retomar o “Caminho dos bispos de Medellin “, apoio à Teologia da Libertação, elogio à postura do Papa Francisco. Sugiro olhar. Fraternalmente, Marízia.

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