Sob o império do grosseiro e do obsceno

Se há algo a lamentar profundamente hoje em dia nas redes sociais de nosso país é o império da grosseria e da obscenidade.

Essa metáfora já foi usada por outros: parece que as portas e as janelas do inferno se abriram de par em par. Daí saíram os demônios das ofensas pessoais, das injúrias, dos fake news, das mentiras, das calúnias e de toda sorte de palavras de baixíssimo calão. Nem precisaria Freud ter chamado a atenção ao fato de que há pessoas com fixação anal, usando palavras escatológicas e metáforas ligadas a perversões sexuais, pois as encontramos frequentemente nos twitters, nos facebooks, nos youtubes e em outros canais.

A grosseria demonstra a falta de educação, de civilidade, de cortesia e de polidez no trato para com as pessoas. A grosseria transforma a pessoa em vulgar. O linguajar vulgar usa expressões que ferem a sensibilidade dos outros ao seu redor. A vulgaridade contumaz deixa as pessoas inseguras, pois, nunca sabem quais gestos, palavrões ou metáforas de mau gosto podem sair de gente grosseira. O grosseiro casa o mau gosto com o desrespeito.

Especialmente, embora não exclusivamente, é o homem mais vulgar em sua linguagem. A mulher, não exclusivamente, pode ser vulgar no modo de se expor. Não se trata apenas no modo de se vestir, tornando-a explicitamente sensual e sedutora, mas no comportamento inadequado de se portar. Se a isso ainda se somam palavras obscenas e grosseiras faz-se mais vulgar e grotesca.

Especialmente grave é quando os portadores de poder como um presidente, um juiz da corte suprema, um ministro de Estado ou senador entre outros, esquecem o caráter simbólico de seu cargo e usam expressões vulgares e até obscenas. Espera-se que expressem privada e publicamente os valores que representam para todos. Quando falta esta coerência, a sociedade e os cidadãos se sentem traídos e até enganados. Aqueles que usam excessivamente expressões indignas de sua alta função são os menos indicadas para exercê-las.

Infelizmente é o que verificamos quase diariamente no linguajar daquele que ocupa o cargo mais alto da nação. Seu linguajar, não raro, é tosco, ofensivo, quando não escatológico e quase sempre burlesco.

Se é grave alguém ser grosseiro, mais grave ainda é o ser obsceno. Pois, este, o obsceno, rompe o limite natural daquilo que implica respeito e o sentido bom da vergonha. Já Aristóteles em sua Ética anotava que nos damos conta da falta de ética quando se perdeu o sentido da vergonha. Sem ela, tudo é possível, pois, não haverá nada que imponha algum limite. Até a Shoah, o extermínio em massa de judeus pelo nazismo, se tornou terrível realidade.

Nem tudo vale neste mundo. Houve Alguém que foi sentenciado à morte na cruz por testemunhar que nem tudo vale e que é digno entregar a própria vida por aquilo que deve ser incondicionalmente intocável e respeitável: a reverência ao Sagrado e a sacralidade do pobre e do que injustamente sofre.

Houve no Ocidente uma figura que se transformou em arquétipo da cortesia e da finura de espírito, daquilo que Pascal chamava de “esprit de finesse” contraposto ao “esprit de géométrie”; aquele, cheio de cuidado e de delicadeza e este outro, marcado pela frieza do cálculo e pela vontade de poder.

Um franciscano francês, Eloi Leclerc, sobrevivente do campo nazista de extermínio de Dachau e Birkenau, traduziu assim a cortesia de Francisco de Assis: “ter um coração leve” sem nenhum espírito de violência e de vingança, o reverso o de ter um coração pesado como o nosso, cheio de grosserias e de obscenidades. Aí ele faz o Poverello de Assis dizer:

“Ter um coração leve é escutar o pássaro cantando no jardim. Não o perturbes. Faze-te o mais silencioso possível. Escuta-o. Seu canto é o canto de seu Criador.”

“Rosas desabrocham no jardim. Deixa que possam florir. Não estendas a mão para colhê-las. Elas são o sorriso do Criador”.

“E se encontrares um miserável, alguém que está sofrendo desesperado, cala-te, escuta-o. Enche teus olhos com a presença dele, com a vida dele até que ele possa descobrir em teu olhar que tu és seu irmão. Então tu o fizeste existir.Tu foste Deus para teu irmão” (O Sol nasce em Assis, Vozes 2000 p.127).

Releva dizer: somos seres duplos, grosseiros e obscenos, mas também podemos e devemos ser gentis e corteses. Destes precisamos muitos, nos dias atuais, em nosso país. Para isso importa educar o coração (sim, dar valor à educação) para que seja leve e totalmente distante de toda a grosseria e de toda a obscenidade, tão vigentes entre nós.

Leonardo Boff é teólogo, filósofo, ex-frade mas conservando o espírito franciscano de Assis.

 

 

Publicidade

12 comentários sobre “Sob o império do grosseiro e do obsceno

  1. Devíamos estar acostumados a esse tipo de detalhe, e ter o coração mais leve para relevar obscenidades do tipo a referência a mulheres de grelo duro, ou aos alternativos de Pelotas…

    Curtir

  2. Ler Leonardo Boff é sempre se abastecer do há de melhor para o necessário crescimento humano;eu me sinto assim,um tanto crescida a cada leitura.Obrigada ao site que disponibiliza seus artigos.

    Curtir

    • Isabel Cristina, suas palavras que encoragem para seguir nesta linha. Que bom que meus textos a ajudam em sua humanidade e espiritualidade. Grande abraço e fique com Deus: Lboff

      Curtir

  3. Mestre Leonardo Boff. Profundo e sutil com gestos e palavras.
    Agradecido à vida por ter vivido no mesmo tempo que ele.

    Curtir

  4. Leonardo, te vi pela primeira vez aqui em Recife quando vi este dar uma palestra aqui em uma Universidade. A Revolução Militar estava no auge e você deixou de dar sua segunda palestra e teve que voltar. Levei um livro seu e você pôs sua assinatura. Ainda guardo esse livro como uma gema rara!
    Obrigado nobre Soldado de Jesus, pelo artigo por demais oportuno. Um abraço fraterno meu nobre irmão.

    Curtir

  5. Inspiración y retroalimentacion necesaria y oportuna nos brindas nuestro hermano Leonardo Boff. Sus libros y artículos indispensables para mantenernos en la liberación humana y Cristologica.

    Curtir

  6. Caro amigo, se me permite chama-lo assim, tenho fé q este deserto vai passar, como o Sr. disse , a porta do inferno está aberta , mas a chave está com os homens de bem, vamos fecha-la com certeza, mas nao tá facil para ser gentil com gente que saiu das trevas. Suas palavras como sempre acalanta nossos coraçoes e nos dá esperança.

    Curtir

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Imagem do Twitter

Você está comentando utilizando sua conta Twitter. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s