“Odeio o termo povos indígenas”:uma blasfêmia em dois atos

Publicamos aqui a indignação de um grande bispo, Dom Erwin Kräutler, da maior diocese do mundo, a do Xingu com 365 km qudrados. A razão são as declarações infames na famosa reunião do presidente com todos os ministros no sinistro dia 22 de abril de 2020. Austríaco, se naturalizou brasileiro e trabalhou 54 anos na Amazônia. Toda sua vida e atividade de pastor foi dedicada aos povos da floresta, aos indígenas e a todos os excluídos “do banquete da vida”. Falou no Parlamento brasileiro em defesa dos direitos dos indígenas, de suas reservas e de sua cultura. Em 1983 foi humilhado pela polícia militar e preso por estar defendendo canavieiros sem salário. Ao longo de 30 anos foi ameaçado de morte. Sofreu um acidente suspeito que tirou a vida do padre que o acompanhava Salvador Deian e deixou Dom Erwin por 6 meses no hospital. Foi ele que acolheu a Irmã Doroty Stang em 1982 e a sepultou no dia 12 de fevereiro de 2005, vítima de bárbaro assassinato. É mundialmente conhecido por sua defesa da Amazônia, dos indígenas e dos camponeses pobres. O Papa Francisco lhe tem especial carinho e respeito. Foi a ele que lhe pediu subsídios para os temas da “Querida Amazônia”. Fala tanto o grego clássico como a lingua dos Kayapó. Agora jubilado e com 80 anos segue sua luta pelos direitos dos mais humilhados e ofendidos e dos verdadeiros guardores da floresta: os povos originários.

Vale ler este texto, nascido da iracundia sagrada de um que se fez “parente dos índios”e que agora saiu em sua defesa contra a ofensa vergonhasa de um ministro de Estado. Lboff

          “Odeio o termo povos indígenas”,uma blasfêmia em dois atos

Quem vai esquecer a reunião ministerial do 22 de abril? Graças à liberação de um vídeo que cobriu toda a reunião pudemos assistir a uma sessão do governo que atualmente gerencia a res publica (a coisa publica, daí a palavra ‘República’) de nosso país. Se crianças ou adolescentes pronunciassem um dos 29 palavrões proferidos na ocasião levariam castigo em casa ou na escola. Falta completa de educação e civilidade no mais alto escalão do executivo do Brasil. Presidente e ministros perderam vergonhosamente a compostura que se espera de pessoas que ocupam cargos tão elevados.

Mas o que mais me revoltou, além da proposta descarada do ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles de aproveitar o tempo de pandemia para “ir passando a boiada” à Amazônia, foi o espantoso aporte do ministro da Educação Abraham Weintraub: “Esse país não é [uma colônia]. Odeio o termo ‘povos indígenas’, odeio esse termo”. Não consigo entender que Weintraub que é de origem judaica usa expressões que recordam o ódio de Hitler e seus ministros ao povo judeu. A consequência desse ódio foi a “shoah”, o holocausto que ceifou a vida de seis milhões de judeus.

Ouvir da boca de um ministro da Educação essas palavras prova mais uma vez o curso anti-indígena desse governo que se alinha perfeitamente à famigerada expressão do general americano Philip Sheridan (1831 – 1888) “The only good indian is a dead indian” (O único índio bom é um índio morto). Já que tudo que Donald Trump pensa e fala inspira o governo Bolsonaro nas suas atitudes e tomadas de posição, não é de se admirar que um ministro desse governo siga essa sentença que na segunda metade do século XIX se tornou provérbio nos Estados Unidos e tem como pano de fundo o genocídio de milhões de indígenas durante a conquista do oeste norte-americano.

Na coleção de descarrilamentos do ministro da Educação cuja falta de educação já criou incidentes diplomáticos com o presidente da França e a China, esse vergonhoso deslize contra os povos indígenas do Brasil só teria enriquecido a biografia de um agente político desprezível, se não tivesse ainda outra cena abominável e blásfema que agora conspurca a face da nossa Igreja Católica. A Veja publicou na sua Coluna Radar de 7 de junho uma foto que retrata a visita, em 5 de junho, de um grupo que se diz católico, capitaneado pelo padre polonês Pedro Stepien. As e os integrantes deste grupo já são famosos por causa de seu frequente comparecimento juntamente com o mesmo sacerdote em frente ao Palácio da Alvorada para prestar culto ao “messias”. Desta feita, porém, foram ao gabinete do ministro da Educação Abraham Weintraub para “confortá-lo” depois de “uma semana tão desgastante” para ele. “Oraram pelo momento delicado do ministro” comenta a revista. Dessa iniciativa só se pode tirar a conclusão de que os visitantes consoladores apoiam as teses do ministro e assumem assim uma posição diametralmente oposta ao Papa Francisco e à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. E quem se coloca contra o Papa já perdeu a catolicidade.

Mas a história não termina aqui. O padre leva uma imagem de Nossa Senhora de Fátima ao gabinete do ministro e, ostentando a estátua, posa sorrindo ao lado de um Weintraub aparentemente comovido e também sorridente. O que queria esse Padre com essa encenação? Que relação esse ministro teria com Nossa Senhora de Fátima e sua mensagem aos pastorinhos na Cova da Iria em Portugal no ano 1917?

O padre demonstra que não conhece a história da América Indígena e do papel de Nossa Senhora junto aos povos originários. Certamente nunca ouviu falar que ela apareceu já em 1531 a um indígena de nome Juan Diego, canonizado inclusive pelo papa polonês, e lhe disse: “Eu sou a vossa Mãe bondosa, tua e de todos vós que viveis unidos nesta terra e dos outros povos, que me amem, que me invoquem, me procurem e confiem em mim; escutarei o seu pranto, as suas tristezas, para remediar e curar todas as suas penas, misérias e dores. Não se perturbe o teu coração. Acaso não estás sob a minha proteção e amparo? Não estás no meu regaço e entre os meus braços?”

Nossa Senhora se colocou ao lado e no meio dos povos indígenas e isso não apenas através de palavras carinhosas. A imagem milagrosa fala por si mesma. Mostra a Virgem Maria numa túnica usada pelas mulheres astecas para dizer que ela é Mãe dos astecas e de todos os indígenas. Ela pertence a esses povos tão sofridos e machucados e se solidariza assumindo feições indígenas. Acima da cintura há o laço que as indígenas usavam para indicar que estavam grávidas. E o filho de mãe indígena é indígena! Os raios de sol que circundam a mãe indígena simbolizam que ela está grávida de um Filho Divino.

Porque esse padre não levou a imagem de Nossa Senhora de Guadalupe para o gabinete do ministro para ensinar-lhe a quem Deus ama com um carinho todo especial a ponto de a Mãe de seu Filho assumir traços indígenas? Talvez o ministro e junto com ele o padre e seus correligionários teriam se dado conta de que odiar os povos indígenas é odiar a Mãe de Deus e o seu Filho Jesus, nosso Senhor!

 

Altamira, 12 de junho de 2020

Erwin Kräutler, bispo em. do Xingu

Coordenador da REPAM-Brasil

 

 

 

12 comentários sobre ““Odeio o termo povos indígenas”:uma blasfêmia em dois atos

  1. Fico triste mais vezes do que o normal. Tenho saudades dos que fazem falta, dos que se afastaram por seguir o não-presidente, dos que fazem parte importante da minha vida, mas dificilmente retornarão, dos que foram embora pra sempre, das coisas legais que tinha antes da pandemia. Sou forte e sempre serei. Lutarei, resistirei, defenderei o justo, tentarei errar bem pouco, vou fazer o possível pra manter a felicidade, pra fazer a felicidade do outro, pra ser menos chato, mais compreensivo, mais inteligente, mais cristão, mais humano…Vou tentar ser mais eu do que antes. Vou me manter indignado com Injustiças, até as minhas se as cometer. Se eu chorar mais, tudo bem. A minha felicidade vai permanecer. Eu não votei no mau-caratismo nem no egoísmo nem na psicopatia.

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  2. Todos os gestores brasileiros deveriam passar dois anos nessas tribos para criarem a mesma consciência desse cidadão do mundo. Louvado seja quem constrói e promove a valorização humana!

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  3. Já fiquei agradecido por ter conhecido uma pessoa que dedicou a vida a cuidar dos povos da floresta e aos excluídos do “banquete da vida”. Como dá esperança conhecer pessoas assim. O artigo é uma peça de arte de tão bem escrito e articulado. Infelizmente temos que nos haver com infâmias de medíocres como este Ministro da deseducação. Obrigado pela grandeza de espírito, Don Erwin.

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  4. Tudo isto não passa de um tiro no pé…A verdadeira face deles será entregue em bandeja ao povo por DEUS..Tudo à seu tempo. Só à lamentar!

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  5. Estamos vivendo um período de extremo sofrimento : o coronavirus, um desgoverno que é prolongado injustificavelmente, o racismo contra os negros, com várias mortes dentro e fora do Brasil, racismo contra os indígenas. Tenho sugerido que se relembre os Mandamentos da Lei de Deus e da Santa Igreja. Precisamos levar Deus a sério! Ele é nosso Pai, somos todos irmãos no Filho Jesus, que deu-nos Sua Mãe por nossa Mãe e, a Maria deu-nos por filhos, cuja cena encontra-se na porta da nossa Catedral de São Pedro de Alcântara aqui em Petrópolis-RJ-BRASIL.

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  6. Que a Paz e o Amor de Maria continue dando lhes vitalidade e coragem pra continuar sua vida e Missão.
    E continuemos rezando por esses que se desviaram do caminho da vida e da verdade.
    E que Maria Santíssima se compadeça de vossas atitudes.

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  7. O que uma mente é capaz de fazer, ela é capaz de mudar o mundo porque nós humanos infelizmente somos voláteis por isso é que temos que nos manter forte em nossas convicções morais e não nos deixar levar pela pervessidade pelo mal e achar que tudo isso é normal,devemos nós em cada oportunidade que surja revelar a nossa indignação e tornar nosso grito um elo a favor do bem e da nação.

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  8. Um excelente artigo. Obrigada Dom Erwin Kräutler. Obrigada por continuar sendo fiel ao Evangelho de Jesus Cristo e continuar amando e defendendo os nossos irmãos os povos indígenas. Obrigado por fincar os pés e o coração na defesa da querida amazonia. Deus lhe paga. Um cheiro.

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  9. Que Nossa Senhora Aparecida interceda pelo Brasil e em especial por nossos irmãos negros e Nossa Senhora de Guadalupe interceda pela América Latina e pelos nossos irmãos indígenas! Pai Nosso, seja feita a Vossa Vontade assim na Terra como no Céu. Perdoai, convertei, santificai, amorizai a humanidade tão insensibilizada para com seus próximos, para com a Casa Comum…

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  10. Ante o que a humanidade está vivenciando no presente momento, concluí que seria oportuno que os Mandamentos da Lei de Deus e da Santa Igreja, sejam revisados periodicamente. Precisamos levar Deus a sério, com muito amor e respeito. Estaríamos a Ele retribuindo um pouco do muito que d’Ele recebemos !

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  11. Fatídica reunião do dia 22 de abril ! Mas, penso um pouquinho diferente do sr. quanto ao Ministro da Educação. Penso que ele não soube se expressar, porque concordo com ele m parte, e apenas nisso,quando disse:Brasília é mais horrível do que imaginava” talvez se referisse aos salários indecentes do Supremo e dos Senhores Congressistas.Vejamos:
    para exemplificar:Deputados Federais: Salário:R$ 26.700,00; Verba GabineteR$ 94.300,00; Auxílio Paletó 53.400; Combustível 5000,00;Auxílio Moradia 22.000,00; Passagens Aéreas
    59000,00; Auxílio Educação: 12.100,00, Auxílio Saúde : ilimitado.
    , Auxílio Alimentação 16.400; Auxílio Cultural 13.400, Auxílio Dentista R$ ilimitado ; Auxílio Farmácia R$ ilimitado. Isso tudo para 513 deputados!!!!
    Como advogada lhe digo: a fonte são os costumes, não existe amparo na Lei Maior- nossaConstituição. Acabemos com tudo isso, a Previdência é clara: direito à aposentadoria : aposentadoria mediante contribuição: Abraço, Isabel

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