Leonardo Boff
Um manto de sofrimento e de dor cobre toda a humanidade, ameaçada pelo Covid-19. A cultura do capital, dentro da qual vivemos, se caracteriza pelo individualismo e por uma clamorosa falta de cooperação.O Papa na ilha italiana de Lampeduza, vendo centenas de africanos chegando de barco da África e sendo mal acolhidos pela população local,disse quase entre lágrimas: “Nossa cultura moderna nos tirou a compaixão pelos nossos semelhantes; nós nos tornamos incapazes de chorar”.
Parece que a inflação de racionalidade instrumental e analítica nos causou uma espécie de lobotomia: fizemo-nos insensíveis ao sofrimento do outro. O atual presidente é a mais trágica comprovação desta indiferença. Jamais visitou um hospital superlotado de contaminados pelo Covid-19, muitos morrendo sufocados.Sem qualquer sentimento leu num discurso público uma frase fria que lhe preparam mas que se sentia não vir de um coração sensibilizado pelas quase 600 mil vidas ceifadas por sua política necrófila.
A pandemia nos fez descobrir a nossa profunda humanidade: a centralidade da vida, a interdependência entre todos, a solidariedade e o cuidado necessário. Fez-nos mais sensíveis. Trouxe de volta a compaixão.
Ter compaixão não é ter pena dos outros, olhando-os de cima para baixo.Compaixão é a capacidade de sentir e compartilhar a paixão do outro, dizer-lhe o ouvido palavras de esperança, oferecer-lhe um ombro e dizer que está ai junto para o que der e vier, é ser capaz de chorar juntos mas também de mutuamente animar-se.
A compaixão é um sentimento humano transcultural. Encontra-se em todas as culturas: todos se vergam sobre o caído e se inclinam diante da dignidade do sofrimento do outro.
Tempos atrás descobriu-se um ancestral túmulo egípcio com esta inscrição, cheia de compaixão:”eu fui alguém que escutou a queixa da viúva; fui alguém que chorou por uma desgraça e consolei o abatido; fui alguém que ouviu o soluço da menina órfã e enxuguei-lhe as lágrimas; fui alguém que teve compaixão de uma mulher desesperada”.
Hoje os familiares dos mortos e afetados pelo Covid-19 que deixou nos curados sequelas graves nos conclamam a viver este lado melhor de nossa humanidade: a compaixão. Santo Tomás de Aquino escreveu na sua Suma Teológica que a compaixão é mais excelente que o amor ao próximo; este se dirige ao outro; a compaixão se dirige ao outro que sofre.
Da física quântica, da cosmologia contemporânea e da bioantropologia aprendemos que a lei fundamental de todas as coisas e do inteiro universo não é a competição e o triunfo do mais capaz de adaptação, mas é a cooperação e a sinergia de todos com todos. Até com o menor e mais fraco tem que de viver pois possui o seu lugar no conjunto dos seres e carrega em si uma mensagem a ser ouvida por todos. Neste campo também vale a compaixão entre todos os seres para além dos humanos.
De São Francisco que se compadecia especialmente dos hansenianos (leprosos), da minhoca que não conseguia fazer um buraco no solo duro do caminho e a tirava, compassivo, e a levava à terra úmida ou do galhinho quebrado, se conta a seguinte legenda:
Encontrou um menino que levava numa gaiola pombinhas para serem vendidas no mercado. Suplicou-lhe: “bom menino, dê-me estas pombinhas tão humildes e inocentes para que não sejam mortas e comidas pelos homens”. O menino, tocado pelo amor inocente de São Francisco deu-lhe a gaiola com as pombinhas. Sussurando, disse-lhes São Francisco: “minhas queridas irmãzinhas, tolas e simples, por que vos deixastes apanhar? Eis que vou libertar-vos”. Abriu a gaiola. Ao invés de saírem voando, elas foram se alinhar em seu peito e em seu capuz e não queriam sair. São Francisco levou-as para a ermida e lhes disse: “multiplicai-vos como vosso Criador o quer”. Tiveram muitos filhotes. Não saiam da companhia de São Francisco e dos frades, como se fossem domésticos. Só levantaram voo e sairam pelos ares quando São Francisco as abençoou e as deixou ir embora.
Como se depreende, a compaixão, bem na linha do budismo e do “Fundamento da moral”(1840) de Arthur Schopenhauer, toda fundada da ilimitada compaixão para com todos os seres, não é importantíssima só para quem está sofrendo atualmente, mas para toda a criação.
Concluamos com as palavras inspiradoras de Dalai Lama:”Quer você creia em Deus, quer não creia, quer creia em Buda ou não …Temos que participar dos sofrimentos das outras pessoas. Mesmo que você não possa ajudá-las com dinheiro, mesmo assim sempre é válido expressar apoio moral e empatia. Esta deve ser a base de nosso agir. Se chamamos isto de religião ou não, é o que menos importa”(Lógica do amor, 1998).O que importa é a compaixão.
Leonardo Boff escreveu Princípio de Compaixão e de Cuidado😮 encontro entre Oriente e Ocidente, Vozes 2009.
Deus prometeu enviar O Salvador, foi fiel, enviou Jesus. Se todos seguirmos os ensinamentos Evangélicos do Divino Salvador, o Céu terá início aqui e agora!
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Seu artigo Professor Leonardo Boff, me fez “trocar o manto.”
Explico: focada na crítica aos governantes no enfrentamento da pandemia e na ausência efetiva de medidas eficazes a minorar os sofrimentos decorrentes da COVID-19, principalmente aos casos mais graves e aos menos favorecidos, repeti em diálogos com meus colegas de trabalho, em face da ausência de sérias políticas públicas de saúde e assistência social, AUSÊNCIAS DAS INSTITUIÇÕES, de maneira geral, que não faziam nada de eficaz a tempo e modo, (exceção aos governadores do Nordeste e de São Paulo).
Dada a situação trágica nacional, concluía: parecia que o País estava “coberto por um manto de loucura”! E ficava nisso: na minha crítica ao “manto de loucura”, e eu apresentando ao grupo e ouvindo as soluções que todos entendiam adequadas, para, pelo menos, mitigar os efeitos da doença e da dor.
“Sofrer com quem sofre, a atualidade da compaixão” é um produção intelectual extraordinária, necessária e de leitura reflexiva, grande filósofo e teólogo Leonardo Boff; seu texto nos leva a ter esperança concreta que “DIAS MELHORES VIRÃO, FAÇAMOS A NOSSA PARTE E TENHAMOS FÉ NESSA DIREÇÃO”, como diria meu saudoso pai Antônio Carreira Madeira, sempre que nos deparávamos com dias ou longos tempos adversos.
A COMPAIXÃO
Da minha crítica, TROQUEI o “MANTO DA LOUCURA” pelo seu MANTO DA COMPAIXÃO, vindo do início da sua análise “Um manto de sofrimento e de dor cobre toda a humanidade, ameaçada pelo Covid-19”, pela sua brilhante CONCLUSÃO:
“Como se depreende, a compaixão, bem na linha do budismo e do “Fundamento da moral”(1840) de Arthur Schopenhauer, toda fundada da ilimitada compaixão para com todos os seres, não é importantíssima só para quem está sofrendo atualmente, mas para toda a criação.
…Temos que participar dos sofrimentos das outras pessoas. Mesmo que você não possa ajudá-las com dinheiro, mesmo assim sempre é válido expressar apoio moral e empatia. Esta deve ser a base de nosso agir. Se chamamos isto de religião ou não, é o que menos importa”(Lógica do amor, 1998).O que importa é a compaixão.”
Muito obrigada Professor Leonardo Boff, por ter acrescido, em valores éticos perenes, a minha visão de mundo.
Auta Gagliardi Madeira – adv. em Brasília.
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